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Livius Barreto

por Livius Barreto

Os EUA adernam rumo ao autoritarismo

O país alcançou a independência e adotou os princípios do Republicanismo Cívico e do Liberalismo Clássi

24/11/2025 às 12h26

24/11/2025 às 12h26

As fundações dos EUA repousam sobre pilares ideológicos do Iluminismo, baseados nos quais os “Pais da Pátria” forjaram o país para lutar contra o despotismo. Sob a liderança de George Washington e a influência de figuras-chave como Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e James Madison, o país alcançou a independência e adotou os princípios do Republicanismo Cívico e do Liberalismo Clássico, este último adotado principalmente para justificar a libertação política da tirania monárquica britânica. Os direitos inalienáveis à "vida, liberdade e busca da felicidade" e a ideia de "governo limitado" eram voltados, primeiramente, para a proteção do indivíduo contra o poder arbitrário do Estado, e não para a imposição de um dogma econômico de livre-comércio.

No entanto, o cenário atual revela a erosão de tais fundações. Observa-se a adoção pela atual administração de práticas semelhantes às de regimes autoritários, conforme definidos pela ciência política, o que importa no afastamento dos EUA da sua arquitetura política original, apoiada na Declaração de Independência de 1776, inspirada em John Locke, na Constituição de 1787 e no posterior Bill of Rights, que, juntos, estabeleceram um complexo sistema de freios e contrapesos para proteger os direitos individuais e limitar o poder estatal, evitando a tirania através da separação de poderes (em Executivo, Legislativo e Judiciário) e do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), garantindo que nenhum dos Poderes se tornasse dominante.

Na sua concepção hiper presidencialista do Poder, a atual Administração norte- americana acredita que o sufrágio universal autoriza tudo, durante o mandato, e juízes não eleitos não deveriam ousar se colocar contra as decisões do presidente eleito. O presidente Trump ignora ordens judiciais, violando o Estado de Direito; fere o pacto federativo ao mandar forças nacionais para reprimir dissidentes políticos em Estados de maioria Democrata; despreza garantias dos funcionários públicos, promovendo demissões em massa por e-mail; e ameaça os deputados e senadores que compõe a maioria republicana de dificultar as suas candidaturas à reeleição, se não seguirem a orientação do Executivo, nas votações.

Na política externa o Presidente Trump declara o déficit da balança comercial dos EUA uma “emergência nacional”, para invocar a aplicação do International Emergency Economic Power Act (IEEPA), de 1977, arvorando-se de plenos poderes para instituir tarifas comerciais sobre os países de todo o mundo, sem consultar o Parlamento. Embora o déficit da balança comercial norte-americana seja um fenômeno que ocorre consistentemente desde a década 70 do século passado, para valer-se da IEEPA, Donald Trump alega que o déficit representa uma ameaça inusitada e extraordinária à segurança nacional e econômica dos EUA.

Observa-se também a instrumentalização das instituições, prática alinhada à característica autoritária do esvaziamento institucional, em que as instituições são enfraquecidas até perderem sua autonomia, tornando-se dependentes do grupo no poder. Multiplicam-se nos EUA os ataques contra a independência do Banco Central e a liberdade de imprensa, esta através da instrumentalização da respectiva agência reguladora, o que se soma à interferência em universidades públicas e privadas e ao controle do acervo e das exposições de bibliotecas e museus, através da ameaça de corte de verbas.

O Bill of Rights americano, especialmente a Primeira Emenda, consagra a liberdade de expressão como um direito inalienável, defendendo a autonomia da imprensa contra a interferência do Estado. No entanto, é sistemático o ataque da mídia considera hostil pela administração Trump, chegando ao ponto de obter-se o afastamento do comediante Jummy Kimmel da emissora ABC, através da ameaça de cassação da licença da emissora pelo Presidente da Comissão Federal de Comunicação, uma agência federal. Trump classifica a cobertura contrária ao seu governo como “trapaça” e promove o banimento de jornalistas do acesso à Casa Branca e ao avião presidencial, admitindo apenas repórteres amistosos à Administração atual.

A tentativa de controle da memória e da cultura, através de interferência em universidades, museus e bibliotecas considerados demasiado “woke", visando impor uma visão única e alinhada à do presidente, é um traço distintivo de governos autoritários, comparável a práticas observadas na Rússia e na China. Um decreto de Trump orienta tais instituições a corrigirem a abordagem de temas como escravidão, imigração e direitos LGBT. A justificativa é a defesa de uma "grandeza americana" e a celebração dos 250 anos da Declaração de Independência, em 2026, buscando uma narrativa que apague tudo o que perturba essa visão unívoca. Essa abordagem contrasta diretamente com o espírito fundante do país, que, apesar de seus paradoxos históricos, como a escravidão, estabeleceu um sistema de liberdade e

debate, e não de controle ideológico. A retirada de obras de autores como Toni Morrison de bibliotecas por conselhos locais, parte de um movimento maior de censura e proibição de livros, demonstra o alcance do controle da cultura pelo Estado, na atual Administração norte- americana.

Tais condutas correspondem à censura e ao controle da narrativa, um dos mecanismos de controle social de regimes autoritários, tendo levado os EUA a caírem da 55ª para a 57ª posição no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, um indicador preocupante da erosão dos princípios republicanos no país.

O cenário atual revela um padrão preocupante. A administração afasta-se do ideal de governo limitado e da proteção dos direitos individuais e da imprensa para adotar uma lógica de poder centralizado, instrumentalização institucional e controle da narrativa, valendo-se do sentimento nacionalista e da religião para galvanizar suas bases e deslegitimar a oposição.

Os protestos "No Kings" contra o Presidente Donald Trump, que reuniram cerca de sete milhões de americanos, denunciam ações do Presidente que demonstram uma busca por autoridade plenária (poder absoluto). Embora o sistema de freios e contrapesos ainda esteja em vigor, a velocidade em que as instituições se degeneram e o Poder se torna cada vez mais centralizado e repressivo demonstram a "aceleração do autoritarismo", com o risco de erodir os fundamentos da democracia norte-americana de dentro para fora.