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Praças de Teresina resistem ao esquecimento da atualidade

Entre memórias de convivência e sinais de abandono, moradores refletem sobre o papel das praças e a atual realidade dos espaços públicos na capital

21/08/2025 às 10h36

21/08/2025 às 15h24

A relação da história de Teresina com as várias praças espalhadas pela capital é bastante antiga e simbólica. Ainda na primeira metade do século XX, a cidade começou a ser ocupada em torno desses espaços, especialmente no Centro, com as praças João Luís Ferreira, Saraiva, Bandeira e Rio Branco. Com o tempo, Teresina se expandiu, mas as praças continuaram a ser referência de união, lazer e encontro entre moradores.

Durante décadas, esses locais guardaram rodas de conversa, famílias reunidas e até apresentações culturais. Até meados da década de 1990, era comum ver bancos ocupados, crianças brincando e até piqueniques nos finais de semana. Entretanto, essa tradição de convivência foi se perdendo com o passar do tempo. A insegurança, o vandalismo, a falta de manutenção e a ocupação desordenada por trailers comerciais foram alguns dos motivos que afastaram parte da população desses espaços.

Praça do Bela Vista. - (Assis Fernandes/ O Dia) Assis Fernandes/ O Dia
Praça do Bela Vista.

A Voz do Promorar

“Antigamente, a gente vivia nas praças. Era lugar de reunir a comunidade, de brincar com as crianças, de conversar. Hoje, infelizmente, muitas foram tomadas pelo uso de drogas, por trailers e até pelo medo. A comunidade se distanciou”, diz Damásio Ferreira, comerciante que há mais de 40 anos mora em frente à Praça da Bíblia, no bairro Promorar, zona Sul da capital.

Damásio é conhecido na região como “Voz do Promorar” porque, em 1983, implantou um sistema de som comunitário que vem mantendo nas últimas quatro décadas. Segundo ele, o alto-falante contribuiu para fortalecer o vínculo social entre os moradores do bairro e até ajudou em situações que pediam solidariedade. “Logo no começo, divulguei um pedido de ajuda de uma mãe que precisava comprar um caixão para o filho recém-nascido. Em poucas horas, a comunidade se mobilizou. Esse sentimento de união é o que a praça representava, foi muito bacana essa época”, conta.

Damásio Ferreira mostra alto-falante em praça do Promorar. - (Assis Fernandes/ O Dia) Assis Fernandes/ O Dia
Damásio Ferreira mostra alto-falante em praça do Promorar.

Hoje, o comerciante observa que as mudanças tecnológicas também impactaram a convivência. “Antes, as associações se reuniam na praça. Agora, tudo é resolvido em grupos de Whatsapp. Não tem mais o encontro cara a cara”, comenta. Ainda assim, Damásio segue colocando seu sistema no ar todos os dias, religiosamente, às 6 horas da manhã, como forma de manter viva uma das tradições da comunidade. E ele reforça que, até hoje, vizinhos continuam procurando a “Voz do Promorar”.

A praça (ainda) é nossa

Mesmo em meio ao sentimento de perda de memórias e tradições, ainda há resistência. É isso que também mostra o casal Roberval e Jandira Dourado e a relação dos dois com a Praça do Bela Vista, também na zona Sul de Teresina. Casados e vivendo no bairro há quase 40 anos, os dois ainda mantêm o hábito de frequentar o espaço todas as noites. “A praça é nossa. A gente vem para tomar um ar, conversar e encontrar as pessoas. É um hábito saudável, que preservamos desde quando éramos namorados e nos encontrávamos aqui”, relata Roberval.

Apesar da assiduidade, o casal de aposentados reconhece que os problemas de conservação do local são um obstáculo para a frequentação dos moradores. “O desgaste natural se soma à falta de manutenção. O piso está quebrado, a academia popular precisa de reforma e, muitas vezes, precisamos caminhar na avenida por causa dos buracos”, diz Jandira. Eles também falam que a preocupação com a violência mudou a forma de viver no espaço. “Hoje, as pessoas andam mais assustadas. Mas é bonito que, apesar de tudo, a praça persiste”, conta Roberval.

O professor aposentado ainda ressalta que as mudanças nas relações sociais foram refletidas no uso das praças. “Nesses 40 anos, fomos perdendo a liberdade de ser e de estar. A iniquidade vai aparecendo e o amor entre as pessoas vai diminuindo. Os hábitos mudam”, diz. Roberval ainda reforça que algumas adições, como a dos trailers na praça, podem ser negativas por um lado, mas positivas por outro. “A praça ficou bem movimentada, a gente fica mais à vontade para sentar, porque tem mais gente. Eu penso que, como uma boa presença pública, como segurança, as praças podem retornar para o convívio”, conclui.

Roberval Dourado, Jandira Dourado e Dona Edite na Praça do Bela Vista. - (Assis Fernandes/ O Dia) Assis Fernandes/ O Dia
Roberval Dourado, Jandira Dourado e Dona Edite na Praça do Bela Vista.

Época de ouro

O aposentado Raimundo Veras, que também é morador do bairro Bela Vista, tem uma memória de tempos mais tranquilos. Ele cresceu frequentando praças do bairro e do Centro da capital e sente muita diferença para os dias de hoje. “Antigamente, era ótimo, um paraíso. A gente trazia os filhos, as famílias se reuniam. Hoje, infelizmente, o medo afastou as pessoas, as casas estão trancadas, as praças viraram lugar de vandalismo. A tradição se perdeu”, comenta ele.

O morador lembra com carinho da Praça do Liceu, no Centro-Norte de Teresina, que considera “um cartão-postal da convivência”. Raimundo conta que, quando era jovem, as praças eram bonitas, cheias de gente, tinham diversão, o que contrasta muito com os espaços agora, em sua maioria abandonados. Para o aposentado, a volta da época de ouro das praças é quase impossível. “ As pessoas mudaram, a violência tomou conta. É muito difícil recuperar aquilo que se perdeu”, conclui.

Entre memórias ainda vivas na mente de moradores e a atual realidade de abandono, as praças de Teresina permanecem como símbolos de resistência. Mesmo diante do esvaziamento dos espaços, elas ainda guardam histórias de encontros, afetos e sociabilidade, e seguem sendo, para quem insiste em ocupá-las, espaços de pertencimento.

Rebeca Negreiros, especial para o Portal O Dia, com edição de Isabela Lopes.


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