O mês de setembro chega trazendo a cor amarela, carregando a missão de esclarecer e chamar atenção para a saúde mental, um tema que, apesar de sua importância, ainda é tratado com invisibilidade e como tabu na sociedade. A campanha Setembro Amarelo é voltada para a prevenção do suicídio, mas, para além dos números e estatísticas, histórias de famílias, dores e também esperanças reforçam o quanto o assunto merece ser discutido. Quando é falado sobre a terceira idade, especialmente, o alerta precisa ser ainda mais forte.
Atualmente, o Piauí ocupa o segundo lugar entre os estados com maiores taxas de suicídio por 100 mil habitantes, de acordo com o Mapa da Violência e Saúde Pública. Apesar de os jovens serem frequentemente vistos como o grupo mais vulnerável, pesquisas mostram que o suicídio vem apresentando crescimento constante entre pessoas acima de 55 anos, com homens sendo a parcela com risco ainda maior.
Culturalmente, a terceira idade em sua maior parte foi vista como um período de descanso e tranquilidade. Porém, ao longo das últimas décadas, é possível observar uma tendência de associação da velhice com a depressão, a inatividade e o isolamento social. O atual cenário social aponta para desafios que vão muito além das doenças físicas para esse grupo populacional em crescimento.
Luto transformado em luta
A estudante de enfermagem Anna Lima passou a sentir na pele o peso dessa realidade nos últimos meses. Em junho de 2025, ela perdeu o pai Ribamar de Araújo, de 70 anos, para a depressão. Alegre, autêntico e sempre ativo, ele era conhecido entre amigos e familiares pelo bom humor e o amor pelos 5 filhos e pelos netos. A perda abrupta do patriarca mudou completamente a rotina da família de Ribamar e fez nascer em Anna o desejo de se aprofundar e lutar pela atenção à saúde mental na terceira idade.
“Eu sempre digo que, da dor, eu busco um propósito. Quando perdi meu pai, fui atrás de dados e descobri que os idosos são o segundo grupo que mais morre por suicídio. Isso me deu um choque. Meu objetivo, como futura enfermeira, é usar esse lugar de fala para conscientizar famílias e salvar outras pessoas dessa dor”, diz a estudante.
Anna reconhecer que o luto daqueles que perdem um ente querido para o suicídio é diferente de outros tipos de luto. “Além do trauma, existe o tabu, o julgamento. Quando alguém morre de câncer, por exemplo, a sociedade se une em solidariedade. Já quando se trata de suicídio, muitas vezes surgem teorias, falatórios. A depressão é uma doença como qualquer outra e precisa ser tratada com seriedade”, reforça.
Entre lágrimas, a estudante relembra que o pai, apesar de mais fechado para falar sobre seus próprios problemas, sempre foi muito sensível e chegou a apresentar alguns sinais de alerta, como apatia, sono excessivo e falas recorrentes sobre a morte. “Ele dizia que talvez estivesse com depressão, mas nem ele tinha clareza do que estava acontecendo. Isso mostra como ainda falta informação e acolhimento. Precisamos de companhas mais amplas, profissionais mais atentos e famílias mais disposta a escutar”, afirma.
O que diz a psicologia
O psicólogo Kaio Rodrigues ressalta que a saúde mental dos idosos ainda é negligenciada, apesar da tendência cada vez maior de envelhecimento populacional no Brasil e no mundo. “Muitas vezes, os idosos passam a se ver como obsoletos, acreditam que não têm mais contribuição a dar para a sociedade. Isso gera desesperança, abre espaço para a depressão e aumenta a vulnerabilidade”, explica.
Segundo o profissional, a prevenção começa dentro de casa, com a família. “A escuta é fundamental, e não apenas do profissional da saúde. O filho, o neto, o cuidador, todos têm um papel essencial. Quando o idoso sente que sua opinião não importa, que não é mais incluído em decisões das famílias, isso aprofunda o sentimento de exclusão. É preciso resgatar esse pertencimento”, reforça Kaio.
Atenção no cotidiano
No Brasil, existem serviços de apoio como o Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende pelo número 188, e os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas especialistas ressaltam que a prevenção não deve depender apenas de instituições, ela começa dentro de casa e no convívio diário.
Atividades físicas, inclusão em decisões familiares, socialização e acompanhamento médico regular são pontos fundamentais. Anna lembra com carinho das caminhadas do pai, que durante duas décadas se exercitou regularmente. “Ele sempre foi muito ativo. É doloroso pensar que, mesmo assim, enfrentava uma depressão silenciosa. Isso mostra que precisamos estar atentos a sinais invisíveis e, principalmente, não deixar o idoso sozinho em suas dores”, diz a estudante de enfermagem.
A solidão, o abandono em instituições e a falta de diálogo agravam o quadro de vulnerabilidade. Para Kaio Rodrigues, a prevenção é um conjunto de pequenas ações. “Não é preciso estar o tempo todo com o idoso, mas é necessário escutá-lo, dar espaço para que ele fale sobre sentimento, mostrar que ele ainda faz parte da vida em família e da sociedade”, esclarece.
A melhor idade
A sociedade, atualmente, vive um paradoxo em sua relação com a velhice. Ao mesmo tempo em que as pessoas vivem mais e com mais qualidade, existe uma recusa em aceitar a chegada da terceira idade. “Há quem chegue aos 50 anos e já tenha medo de ser visto como velho. Nossa sociedade envelhece, mas tenta fugir do envelhecimento. Quando aceito minha idade e enxergo o envelhecer como amadurecimento, tenho mais chances de desenvolver qualidade de vida e saúde mental”, explica Kaio.
O psicólogo lembra que o etarismo (preconceito contra pessoas com idade avançada) é um dos principais desafios na sociedade atualmente. “Ao mesmo tempo em que celebramos a longevidade, cultivamos expressões pejorativas como ‘esclerosado’. Isso gera sofrimento e reforça a ideia de inutilidade do idoso. Precisamos valorizar o envelhecimento como processo natural e reconhecer que todos têm muito a contribuir”, destaca.
Kaio Rodrigues ainda ressalta que o sofrimento psicológico muitas vezes nasce do modo como a sociedade trata o idoso. “Quando a família ou o grupo social coloca essa pessoa como ultrapassada, sem utilidade, ela internaliza essa mensagem. Esse processo de desesperança pode desencadear depressão, ansiedade e outros transtornos”, diz.
Uma missão que segue adiante
Para Anna Lima, vestir o amarelo agora é mais que um ato simbólico, é uma missão de vida. “O Setembro Amarelo é importante, mas eu sempre digo que cada dia, cada hora, cada segundo tem que ser amarelo. Se eu conseguir ajudar uma única pessoa, já vou sentir que cumpri o meu propósito”, revela.
Entre lembranças do pai e lágrimas, a estudante guarda a camisa amarela do pai como símbolo de afeto, memória e luta. Foi uma foto em que Ribamar vestia a camisa que Anna escolheu para estar em sua lápide, carregando uma mensagem de esperança. “Meu pai sempre foi luz, e eu quero transformar essa dor em luz para outras pessoas. Porque todos merecem envelhecer com saúde, dignidade e esperança”, diz.
Anna acredita que sua jornada com a saúde mental está apenas começando, mas também que sua voz pode ecoar além do luto. “O que me move é pensar que talvez outra família não precise sentir o que a minha está sentindo. Se uma vida for salva, a minha luta já terá valido a pena”, conclui a estudante.
Rebeca Negreiros, especial para o Portal O Dia, com edição de Isabela Lopes.
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