A decisão do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que acaba com a obrigatoriedade das aulas em autoescolas para quem deseja obter a Carteira Nacional de Habilitação, divulgada na última segunda-feira (01), provocou um abalo direto no mercado de formação de condutores no Piauí. Em Teresina, onde o setor é consolidado e competitivo, a resolução (ainda à espera de publicação no Diário Oficial da União) já vem deixando suas primeiras marcas.
Klerysson Souza, proprietário de uma autoescola que atende várias cidades piauienses, conta que o impacto começou a ser percebido antes mesmo da oficialização da mudança. “Essa decisão a gente já esperava. Na realidade, o que a gente está passando de evasão de alunos já percorre alguns meses, cerca de 90 dias”, afirma.
O movimento de queda acompanhou a expectativa criada após o governo federal anunciar que avaliava flexibilizar custos e etapas para tirar a CNH. “Os clientes ficaram esperando a decisão. Ninguém sabia se ia ser gratuito, se ia reduzir, o que realmente ia acontecer”, diz o empresário.
A resolução traz alterações profundas, como a de acabar a obrigatoriedade do curso teórico e reduzir a carga mínima de aulas práticas de 20 horas para apenas 2. Na prática, quem busca habilitação poderá começar o processo diretamente no Detran, optar por aulas gravadas no aplicativo da Senatran, recorrer a um instrutor autônomo ou, claro, ainda procurar uma autoescola.
O impacto financeiro para o setor privado é inevitável e já está sendo calculado. Para Klerysson, algumas mudanças fazem sentido, mas outras trazem riscos. Ele cita especialmente o ensino teórico no formato assíncrono, com aulas gravadas, que considera pouco eficiente. “A gente entende que essa forma não é uma forma de ensino eficiente. O MEC já reconhece isso. O ensino só EAD, sozinho, não é eficiente”, afirma.
Ele defende que o ensino teórico pode ser reduzido, reestruturado e tornar-se mais dinâmico, mas sem perda de conteúdo. No caso das aulas práticas, a preocupação é ainda maior, já que as novas regras permitem que o aprendiz treine em veículos sem caracterização e sem duplo comando.
“Isso afeta diretamente a segurança. A única forma de quem está ensinando controlar o veículo é tendo duplo comando”, reforça. Mesmo com a flexibilização, ele diz que sua autoescola não abrirá mão do padrão atual de segurança.
Ainda assim, Klerysson reconhece que a redução das aulas obrigatórias vai baratear o processo, mas não para todos. “Quem já tem uma certa técnica consegue fazer com menos aulas. Quem vai aprender agora, do zero, precisa de prática. Às vezes, 15 ou 20 aulas. Duas aulas não são suficientes”, explica. Ele lembra que muitos alunos que dizem saber dirigir trazem “vícios” que dificultam a aprovação no exame. “Por incrível que pareça, as pessoas que aprendem do zero passam mais na baliza do que quem já dirige”, revela.
A saída encontrada pelos proprietários para sobreviver ao novo cenário tem sido a reorganização coletiva. O setor, agora, se movimenta para recriar um sindicato no Piauí. “Eu sou uma das pessoas que estou à frente do início de um novo sindicato. Vamos criar uma nova forma de ensino”, afirma. A proposta inclui cursos teóricos mais curtos, simuladões, aulas intensivas e personalização total das práticas. “A pessoa vai poder contratar cinco aulas, avaliar, contratar mais cinco. Vamos orientar caso a caso”, ressalta.
No que diz respeito ao poder público, o Detran-PI já se prepara para uma mudança brusca no volume de atendimentos. A diretora-geral do órgão, Luana Barradas, explica que a abertura do processo passa a ser feita diretamente no Departamento, com mais opções para o cidadão escolher onde quer estudar e praticar. “A população tem mais opções. Não é mais obrigatório ir diretamente para a autoescola”, afirma.
A gestora acredita que a flexibilização deve aumentar a procura pela primeira habilitação. “A gente tem a expectativa de que realmente aumente a quantidade de usuários. Isso vai trazer um volume muito maior de novas CNHs, exames teóricos e práticos no órgão”, avalia. Segundo ela, o maior benefício para o usuário será a redução de custos. “É uma medida que vai trazer mais flexibilidade e, consequentemente, reduzir os custos que ele tinha para tirar a CNH”.
Enquanto isso, as autoescolas tentam garantir seu espaço em um mercado que não desaparece, mas muda rapidamente. Klerysson reforça que, apesar das novas alternativas, o papel das autoescolas segue fundamental. “A autoescola não acabou. Nunca irá acabar. Estamos aqui há 30 anos fazendo esse trabalho. Somos peritos em formar condutores”, conclui.
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