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A OTAN como fator de debilidade da Europa

01/12/2025 às 13h55

A França mantém a tradição inaugurada por Charles De Gaulle, na Segunda Guerra Mundial, de ceticismo quanto à dependência da Europa de seu parceiro transatlântico, os EUA, valorizando a soberania de decisões e a dissuasão própria e distanciando-se da visão prevalecente na Europa, que considera a OTAN como a única garantidora da segurança europeia. Hodiernamente, o General Vincent Desportes, ex-diretor da École de Guerre, uma das vozes mais influentes da estratégia militar francesa, reafirma tal tradição, alegando, em face da invasão russa da Ucrânia, que a Europa sofre de uma fraqueza intrínseca, tendo as mãos atadas pela dependência de seu aliado americano, que a negligencia.

Esta corrente entende que, com a criação da OTAN, no fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa se tornou um "instrumento americano", criado pelo Plano Marshall, em vista da ameaça soviética, com a finalidade de garantir um aliado forte, mas submisso a Washington, o que tornou a aliança um vetor de debilidade que inibiu a maturação política e militar europeia.

Os defensores de tal teoria identificam o propósito de evitar que a Europa desenvolvesse uma capacidade autónoma que pudesse "fazer sombra" aos Estados Unidos como o objetivo subjacente desta arquitetura geopolítica. Para estes, a manutenção da OTAN sob liderança americana, mesmo na ausência do inimigo soviético, após 1991, que perpetuou a dependência militar e inibiu o desenvolvimento de uma força europeia soberana, não foi um acidente, mas o produto da estratégia americana.

Durante a Guerra Fria, a Aliança Atlântica cumpriu o seu propósito, assegurando a contenção da URSS, evitando que a mesma avançasse sobre a Europa Ocidental. A dependência europeia era uma troca aceitável pela garantia incondicional dos EUA sob o Artigo 5º do Tratado da OTAN, mas a terceirização da defesa europeia implicou a dependência estratégica do velho continente em relação aos EUA. O suporte à reconstrução, oferecido pelo Plano Marshall no pós-guerra, consolidou a relação de subordinação, ligando a segurança europeia à necessidade estratégica americana de defender o flanco ocidental da Eurásia.

A sensação de segurança propiciado pela garantia da paz oferecida pelos EUA, através da OTAN, atrofiou o espírito de autodefesa europeu, levando a investimentos militares insuficientes, além de fragmentados, o que tornou a Europa um continente dotado de uma capacidade de afirmação política e militar desproporcional ao seu poderio econômico. A guerra na Ucrânia, em que em União Europeia assume o papel de principal fornecedor de apoio económico, enquanto os EUA fornecem a maior parte dos equipamentos militares essenciais, se constitui em uma prova de tal desequilíbrio.

Ao deixar de reverter os benefícios da paz, colhidos no período de 1991 a 2014, para desenvolver uma defesa autônoma, a Europa demonstrou que preferiu o conforto da dependência aos EUA aos encargos da soberania. Com o fim da Guerra Fria, decorrente do colapso da URSS, em 1991, a razão existencial da OTAN para os EUA desapareceu, desencadeando a erosão do interesse americano pela aliança militar, desde então. A estratégia dos EUA reorientou-se, passando da defesa existencial da Europa para a gestão da estabilidade regional e a promoção da democracia.

O ponto de viragem mais significativo foi a crescente importância da competição com a China, para os EUA. A mudança dos interesses estratégicos dos EUA na nova ordem multipolar se reflete na realocação de recursos para a Ásia-Pacífico, visando a manutenção da hegemonia global, a segurança energética e a competição geoeconômica. A Europa, agora estável, perdeu importância na escala de prioridades norte-americana.

A conclusão inevitável da redefinição estratégica norte-americana é o desacoplamento irresistível dos EUA da Europa. Não é uma mera contingência, mas um processo estrutural ditado por imperativos geoeconômicos e geopolíticos, que obrigam os EUA a reduzirem o seu foco e seu investimento militar na Europa, para enfrentar os desafios presentes na Ásia.

O desacoplamento não implica necessariamente a extinção da OTAN, mas a retirada da garantia de defesa existencial incondicional a seus membros, pelos EUA (o acoplamento). Se a defesa da Europa já não serve ao interesse existencial primário dos EUA (como era a contenção soviética, no passado), o custo de intervir, com vidas e recursos norte-americanos, torna-se questionável para Washington, especialmente em vista da crise no Pacífico.

A administração Trump não é a responsável pelo desacoplamento, mas acelerou a percepção europeia da crise. O desacoplamento, como dito, já era um processo inevitável, mesmo que as elites europeias, agarradas ao status quo, preferissem ignorá-lo. Trump, no âmbito do discurso "America First", questionou abertamente a validade do Artigo 5 da OTAN, quebrando o pacto de proteção incondicional e passou a exigir pagamentos financeiros pela proteção da Europa. Este choque forçou a Europa a confrontar-se com a fragilidade do seu prolongado acoplamento estratégico.

Tais circunstâncias, embora disruptivas, paradoxalmente trazem benefício, pois quebram a ilusão de segurança, forçando a Europa a despertar para a necessidade de soberania e a assumir a responsabilidade por sua própria defesa. A dependência europeia, exposta pelo conflito russo- ucraniano, gerou a pressão política necessária para que a Europa supere a dependência em relação aos EUA e recupere a credibilidade da União Europeia no palco internacional.