Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook x Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina

No Brasil, existem apenas três espaços semelhantes; local foi criado em 2017 como marco de respeito às religiões de matriz africana

29/10/2025 às 08h52

29/10/2025 às 08h52

Inaugurada em 2017 no Parque Lagoas do Norte, zona Norte de Teresina, a Praça dos Orixás nasceu como um marco histórico e cultural. O local é uma das únicas três praças em todo o Brasil que fazem homenagem à cultura e às religiões de matriz africana, Umbanda e Candomblé, e o primeiro monumento público da capital dedicado à essa representação.

Idealizada na gestão do então prefeito Firmino Filho, a praça simbolizava um gesto de reparação e reconhecimento à contribuição africana para a formação cultural da cidade. Hoje, porém, o que era para ser um espaço de convivência e respeito à diversidade transformou-se em um retrato do abandono.

Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina

O local, que abriga 13 esculturas — sendo dez orixás e três entidades da Umbanda — e um pequeno palco para atividades culturais, passa a maior parte do tempo coberto por mato e lixo. O lago secou, estátuas estão quebradas e até mesmo as placas que explicavam o significado de cada entidade desapareceram. A degradação é visível logo à primeira vista. No palco, colchões, papelões e garrafas vazias denunciam o uso do espaço como abrigo improvisado por pessoas em situação de rua e dependência química.

“Quando a gente solicitou essa praça, lá atrás, foi como um resgate das tradições de matriz africana, uma satisfação social. A cidade tinha a Praça da Bíblia, a Praça do Skate, e essa foi a retratação com os povos de matriz africana”, lembra o sacerdote Baba Flávio D’Ogum, morador do bairro São Joaquim e um dos idealizadores do projeto. Segundo ele, o abandono do espaço representa não apenas descuido administrativo, mas também desrespeito simbólico.

Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina

“É uma tristeza, dá uma dor no coração da gente. Foi uma luta muito grande para conseguir essa praça e hoje vemos esse descaso. Os monumentos estão destruídos, consumidos pelo tempo, e a gente não é ouvido. Procuramos a gestão passada, procuramos a atual, e nada. A guarda municipal deveria olhar mais por aqui, porque à noite é perigoso até passar”, lamenta.

Pai Flávio também relaciona a falta de manutenção e investimento ao racismo estrutural e à intolerância religiosa da população e do poder público. “Esse descaso com o nosso sagrado mostra como ainda há resistência em respeitar o que é diferente. Aqui é um espaço de fé, de cultura e de enfrentamento contra o preconceito. O que vemos é um apagamento simbólico da nossa história”, critica.

Ele conta que, mesmo diante da precariedade e falta de atenção, grupos religiosos ainda se reúnem mensalmente no local para realizar o evento “Meu Terreiro na Praça”, iniciativa que busca valorizar a religião e combater a intolerância. “A gente continua vindo, porque esse lugar é nosso, representa a nossa ancestralidade. Mas precisamos de apoio para reformar e revitalizar, não apenas pintar meio-fio”, diz.

Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina

Quem frequenta a região também sente o impacto do abandono. Maria do Socorro, que costuma visitar um comércio em frente à praça diariamente, recorda que o espaço já foi mais vivo. “No começo era bem movimentado, tinha evento, as pessoas vinham. Depois foi caindo, o povo deixou de vir. Agora o que mais tem são pessoas que moram na rua. O mato cresce, o lixo acumula. A limpeza até acontece, mas logo volta tudo, porque a própria população joga lixo na lagoa”, comenta.

O que diz o poder público

O Sistema O Dia procurou a Superintendência de Desenvolvimento Urbano (SDU) Norte, responsável pela manutenção da área, que informou ter realizado, há cerca de 30 dias, serviços de capina, varrição e limpeza na Praça dos Orixás. Segundo nota enviada pela gerência de serviços urbanos, o problema do acúmulo de lixo é agravado pelo descarte irregular feito por moradores e visitantes.

“É importante ressaltar que isso é crime ambiental e passível de multa, ainda mais em uma área de preservação. A SDU Norte conta com duas equipes exclusivas para limpeza das lagoas, atuando de domingo a domingo. Além disso, a área das lagoas é muito grande e por isso essa atenção especial, com pessoal voltado apenas para elas”, informou o órgão, que prometeu retornar ao local “brevemente”. A reportagem ainda entrou em contato com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Teresina, mas não obtivemos resposta.

Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Praça dos Orixás, símbolo de diversidade religiosa, vira retrato do abandono em Teresina

Apesar da esperança de o poder público reviver a praça, aqueles que convivem com o espaço acreditam que o problema vai além da limpeza. “Não é só varrer e capinar. É preciso restaurar os monumentos, colocar iluminação, segurança e mostrar que o poder público respeita a nossa cultura. Enquanto isso não acontecer, o abandono vai continuar”, afirma Baba Flávio.

A Praça dos Orixás é uma das únicas três praças do Brasil dedicadas às religiões de matriz africana, sendo duas delas localizadas na região Nordeste. O espaço, que nasceu como símbolo de diversidade e inclusão, hoje se vê cercado por silêncio e descuido, um reflexo das contradições entre o discurso oficial de respeito à pluralidade e a realidade de quem luta diariamente para manter viva a memória ancestral em Teresina.


Você quer estar por dentro de todas as novidades do Piauí, do Brasil e do mundo? Siga o Instagram do Sistema O Dia e entre no nosso canal do WhatsApp se mantenha atualizado com as últimas notícias. Siga, curta e acompanhe o líder de credibilidade também na internet.

Com supervisão de Nathalia Amaral.