Teresina, como tantas outras cidades nordestinas que instalaram em seus centros uma única funcionalidade prática, o comércio, tem sofrido com um movimento de desertificação urbana. Agora, com o enfraquecimento do setor e a falta de diversidade de uso, míngua sem que o poder público encontre uma solução de novo destino. Em estudo do cientista político Iury Campelo, constatou-se que os vazios urbanos no centro da capital se acentuaram em 3% nos últimos seis meses, resultando em um prejuízo de até R$ 110 milhões ao ano.

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Há muito tempo se discute como recuperar o centro da capital piauiense. Em 2017, o ex-prefeito Firmino Filho criou um projeto de reabilitação da zona central de Teresina, no qual elencou dez diretrizes: eliminar o protagonismo do automóvel; estimular o uso misto (moradia, lazer e comércio); adequar os estacionamentos; garantir melhor fluxo do transporte coletivo; proteger o pedestre; acolher as bicicletas; criar bons espaços; plantar mais árvores; criar faces de ruas agradáveis e singulares; e eleger prioridades.
Mas isso não ocorreu. Com a pandemia de Covid-19, em 2020, o processo de deterioração dos espaços urbanos no centro da capital se agravou, fortalecendo ainda mais o comércio nos bairros e as compras pela internet. Cada dia mais, a ida às lojas, antes um hábito comum, se torna menos atrativa. Além de preços pouco competitivos, o acesso ao centro é dificultado, seja por carro próprio, transporte coletivo ou aplicativos de transporte. Para a população, acaba não compensando o transtorno de sair de casa para pagar mais caro.
Essa dinâmica pós-pandemia fez com que o Governo Federal adotasse medidas para desestimular compras no exterior e fortalecer os mercados locais. Há quem aponte um lobby das grandes empresas de varejo por trás do que ficou conhecido como “taxa das comprinhas”, que isentaria de impostos apenas compras de até U$ 50, mais o aumento da alíquota de ICMS para 20% em compras internacionais na maioria dos estados brasileiros.

Essas ações, no entanto, foram ineficazes para Teresina. No processo eleitoral de 2024 para a prefeitura da capital, os principais candidatos, Silvio Mendes (União Brasil) e Fábio Novo (PT), apresentaram diversas propostas para a revitalização da cidade. O eleito, Silvio Mendes, incluiu em seu plano de governo medidas de incentivo para construções residenciais multifamiliares.
Ele também propôs melhorias na mobilidade urbana, investimentos em segurança por meio da Guarda Municipal, revitalização de espaços públicos como praças e casas culturais, redução de IPTU, criação de edifícios-garagem, entre outras iniciativas.
Um ponto de destaque em seu plano de governo foi a utilização da técnica de retrofit, que requalifica prédios históricos, preservando sua arquitetura externa e modernizando o interior. Um dos exemplos mencionados foi a readequação do antigo prédio do INSS, na Praça João Luís Ferreira.
O estudo dos vazios urbanos em Teresina
O cientista político Iury Campelo, autor do estudo que monitora semestralmente o Centro de Teresina, apontou que, entre agosto de 2024 e janeiro de 2025, houve um aumento de 3% na desocupação de pontos comerciais. Nos últimos dois anos, a capital registrou um prejuízo anual de R$ 110 milhões.

A pesquisa revelou o desaparecimento de quarteirões inteiros com casarões históricos em Teresina. Segundo Iury Campelo, o estudo atualizou análises sobre a desertificação da região e propôs soluções para evitar o colapso total. Entre os fatores que contribuíram para essa situação estão o colapso do transporte público, a pandemia de Covid-19, a saída de serviços públicos da área central, problemas no tráfego, a falta de incentivos fiscais e a especulação imobiliária.
As sugestões dos pesquisadores incluem:
Revitalização do patrimônio histórico: Proteção e requalificação de praças emblemáticas, removendo grades e barreiras para incentivar a convivência, como na Praça Da Costa e Silva.
Moradias populares: Ocupação de imóveis abandonados com habitações verticalizadas, atraindo moradores e combatendo o esvaziamento da região.
Transporte público e acessibilidade: Criação de novas linhas e integração de modais, como ônibus e bicicletas.
Incentivos fiscais para comerciantes: Desoneração do IPTU e criação de incentivos fiscais para estimular o comércio local.
Cultura e segurança: Ocupação de espaços públicos com atrações culturais e reforço na segurança, tornando o centro um polo turístico e cultural.
Shopping center popular: Criação de um shopping no centro para integrar vendedores informais à economia formal e gerar empregos.
Para Iury Campelo, a residencialização do centro da capital é uma solução urgente que se relaciona diretamente com a falta de transporte público. Ele destaca que, se moradias populares verticalizadas fossem estimuladas, os residentes poderiam trabalhar e morar no centro sem depender do transporte público.
“Não seria necessário comprar veículos para esses deslocamentos do cotidiano. Aos finais de semana o Centro poderia produzir atividades culturais que atendessem os residentes da própria região. O trabalhador poderia acessar no Centro escolas públicas, saúde, comércio e seu próprio local de trabalho caminhando alguns quarteirões. De um espaço em colapso teríamos de volta um ecossistema que per si se sustentava como até o início dos anos 90 do século passado”, disse
Ele ainda ressaltou que o Centro Histórico de Teresina nunca foi uma prioridade, citando a recente reforma na Rua Coelho Rodrigues, na parte histórica da cidade. Segundo ele, apesar de bonita e iluminada, essa área não é utilizada para eventos culturais que movimentem o centro à noite.
“Fora a rua Coelho Rodrigues o Centro é mal iluminado. Não há transporte público para quem quiser ir a um espetáculo no Teatro 4 de Setembro à noite, por exemplo. Não temos sequer uma galeria de arte na Capital do Piauí. Não sei qual crime a praça Da Costa e Silva cometeu para passar mais de trinta anos atrás das grades, mas recentemente foi libertada e as pessoas puderam reencontrá-la. As pessoas puderam reencontrar a praça. Ainda espero pela libertação da Praça Marechal Deodoro da Fonseca e que o Teatro de Arena volte a ser um espaço de música popular e festivais. Para que as pessoas possam sair do trabalho e consumir a arte produzida em Teresina. Não vejo, pessoalmente, outra causa a não ser despreparo intelecutual mesmo. Talvez quem tenha colocado as grades na praça Da Costa e Silva não tivesse conhecimento da força da poesia, mas ainda espero que se tenha um lapso sensibilidade e devolva a "praça da Bandeira" ao povo”, declarou.
Finalizou apontando que sempre haverá tempo para recuperar o centro de Teresina, mas que, se o poder público não for ágil, centenas de empreendedores que ainda lutam para sobreviver no centro pagarão caro, perdendo seus investimentos e seu capital. Como consequência, mais pessoas perderão empregos, afetando a vida de milhares de famílias.
Proposta da Câmara Municipal de Teresina
O vereador João Pereira (PT), presidente da Comissão de Indústria, Comércio e Geração de Emprego e Renda da Câmara Municipal de Teresina, propôs, na última semana, a criação de um Polo Tecnológico para revitalizar o centro da cidade. A ideia é inspirada no Porto Digital de Recife, criado em 2000, que busca o desenvolvimento econômico e tecnológico, ao mesmo tempo que revitaliza áreas urbanas degradadas.

Segundo Pereira, o polo em Teresina poderia integrar a indústria e as universidades locais, criando um ambiente inovador e moderno. A Comissão visitará o Porto Digital de Recife para adaptar o modelo à realidade de Teresina.
O Porto Digital em Recife é um parque tecnológico que, desde sua fundação, restaurou mais de 138 mil metros quadrados de imóveis históricos. Ele abriga mais de 400 empresas e gerou R$ 5,4 bilhões em faturamento em 2023, empregando cerca de 18 mil pessoas.

Fica evidente que existem propostas para a recuperação do centro urbano da capital, desde medidas federais que não estão direcionadas apenas à população teresinense, mas a um contexto nacional de protecionismo econômico, até indicativos de ações do poder executivo de Teresina. No plano de governo, Silvio Mendes incluiu um tópico chamado "Um Novo Olhar Para O Centro", e, mais recentemente, o poder legislativo, por meio da Câmara Municipal de Teresina, tem buscado criar instrumentos para a recuperação do centro urbano.
Além disso, pesquisas acadêmicas, como a do cientista político Iury Campelo, apontam caminhos para reverter esse cenário. Para que essa recuperação aconteça de fato, é necessário unir todos os instrumentos disponíveis e a boa vontade das instituições envolvidas para revitalizar esse importante espaço urbano da cidade, que foi o ponto de partida para sua expansão em direção ao norte, leste, sul e sudeste.
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