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Quem conta o Piauí: nos 203 anos do Estado, pesquisadores resgatam história e identidade locais

Em homenagem ao Dia do Piauí, historiadores e artistas refletem sobre a importância de preservar as múltiplas narrativas que formam a cultura piauiense.

18/10/2025 às 14h22

Neste 19 de outubro, o Piauí celebra 203 anos de sua adesão à Independência do Brasil, momento decisivo em sua trajetória, oficializada em 19 de outubro de 1822, na então Vila de Parnaíba. A data, que muitos chamam de “aniversário do Piauí”, representa, na verdade, o engajamento do povo piauiense no movimento que consolidou a soberania do país. A adesão é marcada por coragem, disputas e, sobretudo, pela vontade de participar do destino nacional.

Como afirmam pesquisadores e historiadores como Fonseca Neto, Viviane Pedrazzani e Chico Rasta, mais do que datas, o que importa na história de um Estado é quem escolhe quais histórias contar, como contá-las, e por que preservá-las. A memória do estado é feita de narrativas múltiplas, algumas já bem conhecidas, outras escondidas e ainda por revelar.

Saiba mais:

O termo “aniversário do Piauí” é, tecnicamente, incorreto. Como explica o historiador Fonseca Neto, o dia 19 de outubro marca a adesão do Piauí à Independência do Brasil, e não a “fundação” do Estado.

Fonseca Neto, historiador - (Assis Fernandes/O DIA) Assis Fernandes/O DIA
Fonseca Neto, historiador

Fonseca Neto, historiador, professor e escritor, costuma dizer que o exercício de pesquisar não é opcional. Ele reafirma que, se não soubermos de onde viemos, dificilmente entenderemos o presente ou conseguiremos projetar um futuro mais consciente. Para ele, registros documentais, arquivos, fotografias e a memória oral são alicerces para manter vivos fatos e personagens que, de outro modo, se perderiam.

Muitas vezes, o historiador argumenta, temos poucas lacunas visíveis, mas muitas pessoas, episódios, lugares que “não entraram” nos livros oficiais ou nos currículos escolares acabam sendo invisíveis. Ele critica a ideia de que a história local possa ser “dispensada”. Para ele, este abandono alimenta o desconhecimento e fortalece o analfabetismo político.

A historiadora e pesquisadora do patrimônio cultural Viviane Pedrazzani compartilha do mesmo pensamento. Há mais de duas décadas, ela investiga manifestações culturais e patrimônios imateriais do estado, como o artesanato do Poti Velho, o Bumba-Meu-Boi teresinense e a história dos sítios arqueológicos do interior do estado. Para ela, cultura não é uma peça de museu, mas sim algo vivo, que muda com o tempo, mas precisa manter o vínculo com suas origens. “Muitos desses saberes correm o risco de se perder se não forem documentados e valorizados pela própria comunidade”, diz Pedrazzani.

Sua motivação, Viviane explica, veio do encantamento, mas também do reconhecimento de que havia e há um vazio na academia, já que muitos desses patrimônios culturais não estavam sistematicamente estudados, muito menos divulgados. Segundo a historiadora, é urgente que esses saberes não sejam apenas documentos acadêmicos, eles precisam dialogar com as comunidades, com os jovens, com quem vive no Piauí hoje. Tradição não é imobilidade, ela se adapta, mas precisa continuar fazendo sentido para seus praticantes.

Saiba mais:

A Batalha do Jenipapo, travada em 13 de março de 1823, foi decisiva para consolidar a Independência no Nordeste do Brasil. O confronto aconteceu em Campo Maior e envolveu vaqueiros, agricultores e mulheres do povo.

Cineasta Chico Rasta dirigindo o filme "Jenipapo - O grito dos esquecidos" - (Reprodução/Arquivo Pessoal) Reprodução/Arquivo Pessoal
Cineasta Chico Rasta dirigindo o filme "Jenipapo - O grito dos esquecidos"

Essa preocupação com a preservação da memória também está presente na arte audiovisual de Chico Rasta, cineasta parnaibano que transforma história em linguagem cinematográfica. Em produções como “Jenipapo – O Grito dos Esquecidos”, ele revisita episódios históricos sob uma ótica afrocentrada, destacando personagens que são marginalizados e, até mesmo, esquecidos pelos livros tradicionais. “O Audiovisual é uma ferramenta poderosa para imortalizar histórias e fazê-las chegar mais longe. O Piauí é cinematográfico em belezas naturais e humanas, temos muitas histórias para serem contadas que podem ganhar o mundo”, explica.

A história do Piauí, antes mesmo da Independência, já era marcada por tensões e encontros. Povos indígenas, fazendeiros de gado e missionários jesuítas disputavam territórios e modos de vida desde o século XVIII. A formação da identidade piauiense nasceu desse cruzamento de culturas, num território vasto e diverso, onde a oralidade foi, por muito tempo, o principal arquivo da memória popular.

Essa pluralidade se reflete também em Teresina, cidade planejada para ser capital em 1852, numa tentativa de aproximar o poder provincial das áreas ribeirinhas e facilitar a comunicação. Fonseca Neto lembra que a transferência da capital de Oeiras para Teresina foi uma decisão política e estratégica, mas também um marco que moldou a configuração social e econômica do estado. A cidade cresceu cercada por contrastes, entre modernização e tradição, urbanidade e ruralidade, poder e periferia.

Saiba mais:

Teresina foi a primeira capital planejada do Brasil. Fundada em 1852, recebeu esse nome em homenagem à imperatriz Teresa Cristina, esposa de Dom Pedro II.

Palácio do Karnak, sede do Governo Estadual - (Reprodução/IBGE) Reprodução/IBGE
Palácio do Karnak, sede do Governo Estadual

Hoje, quem caminha por Teresina pisa sobre camadas de história, em uma cidade repleta de casarões antigos, praças centenárias e festas populares que resistem ao tempo. Viviane Pedrazzani ressalta que cada traço urbano é, também, uma forma de memória, e preservar esse patrimônio é preservar a identidade de quem vive ali. “Os prédios, os rituais, as festas, tudo isso conta algo sobre quem somos e o que queremos ser”, afirma ela.

O desafio, segundo os especialistas, é garantir que essa memória não se restrinja a arquivos e pesquisas acadêmicas. É preciso que ela circule nos ambientes populares, nas escolas, nas praças, nas feiras e nas telas de cinema. A meta, para historiadores, é que a história seja acessível, viva e plural, contada por quem a viveu e por quem ainda a transforma.

Saiba mais

O Piauí é o único estado brasileiro com dois grandes marcos históricos ligados à Independência: a adesão em Parnaíba (1822) e a Batalha do Jenipapo (1823), símbolos da resistência popular no Norte do país.

Dia do Piauí: historiadores e pesquisadores resgatam a história e a identidade do Estado - (O Dia) O Dia
Dia do Piauí: historiadores e pesquisadores resgatam a história e a identidade do Estado

No aniversário da adesão do Piauí à Independência, mais do que celebrar uma data, celebra-se o ato de contar, de resistir ao esquecimento, de manter acesa a chama que transforma fatos em memória e memória em identidade. A história do Piauí não é apenas a de um território, é a de um povo que nunca deixou de se narrar.


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Com edição de Ithyara Borges.