Antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em responsabilizar as bigtechs pelo conteúdo publicado por seus usuários, a internet brasileira operava sob um vácuo de regulamentação. Enquanto conteúdos de ódio, desinformação e crimes digitais se espalhavam com rapidez, o país seguia travado no impasse político: quem deve definir as regras do jogo? Essa lacuna normativa está no centro de uma disputa institucional. O Executivo quer regular. O Congresso tem hesitado em suas propostas e o Judiciário tem decidido por conta própria.
O presidente Lula assumiu pessoalmente a missão de apresentar um novo projeto de lei sobre o tema. O texto, construído por nove ministérios, pretende responsabilizar empresas de redes sociais por publicações criminosas, como incentivo à violência, abuso contra crianças ou divulgação de fake news. O Planalto quer enviar a proposta ainda neste semestre. Mas o Congresso Nacional, especialmente a Câmara dos Deputados, adota postura de resistência. A última tentativa de avanço, o chamado PL das Fake News, foi rejeitada em maio de 2024 após forte pressão política. Para o atual presidente da Câmara, Hugo Motta, o recado foi claro, em que legislar sobre isso agora é um risco.
No vácuo deixado pelo Legislativo, o Supremo Tribunal Federal tem avançado em decisões sobre plataformas digitais. O ministro Luís Roberto Barroso já reconheceu publicamente que o STF só atua porque o Congresso se omite. Enquanto isso, processos continuam se acumulando no tribunal, envolvendo casos de desinformação e discursos de ódio. Por trás do debate jurídico, há uma pergunta incômoda: quem deve definir o que pode ou não circular nas redes? Até então, eram as próprias plataformas que decidiam, com base em políticas internas, muitas vezes não transparentes e instáveis. É nesse cenário que o governo Lula quer alterar.
Durante evento recente, o presidente criticou duramente a ausência de controle sobre as big techs. “Não é possível que tudo tenha controle, menos as empresas de aplicativo”, afirmou. A discussão ganhou ainda mais força após a viagem de Lula à China. Lá, ele e a primeira-dama, Janja, pediram diretamente à dona do TikTok que intervenha sobre o conteúdo da plataforma. O gesto apontou que o Brasil começa a demonstrar, ao menos no discurso, que não aceitará mais o descontrole total.
Decisão do STF
Ao final de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou profundamente o cenário jurídico da internet no Brasil ao decidir, por 8 votos a 3, que plataformas digitais podem ser responsabilizadas por postagens ilegais feitas por seus usuários. A decisão modifica a forma como empresas como Instagram, Facebook, YouTube e TikTok lidam com conteúdos nocivos, exigindo uma postura mais ativa diante de crimes digitais, mesmo sem a necessidade de ordem judicial prévia.
Até então, o artigo 19 do Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, blindava as plataformas, permitindo responsabilização apenas se houvesse descumprimento de decisão judicial. Com a nova interpretação da Corte, esse entendimento passa a ser considerado inconstitucional em parte. Para os ministros, o dispositivo não garante a proteção dos direitos fundamentais nem da democracia, permitindo a permanência de conteúdos prejudiciais sob a justificativa de proteção à liberdade de expressão.
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A decisão do STF define que, enquanto o Congresso não aprovar uma nova lei, as empresas poderão ser civilmente responsabilizadas por manter publicações que incentivem atos antidemocráticos, terrorismo, crimes de ódio, pornografia infantil, tráfico de pessoas, entre outros. Esses conteúdos deverão ser removidos após simples notificação, sem que se espere uma intervenção da Justiça. Na prática, o Judiciário obriga as plataformas a agirem com mais rapidez e responsabilidade.
A mudança impõe um novo padrão de conduta para as big techs no Brasil, que agora precisam se adaptar a um ambiente regulatório mais exigente. Ao ocupar o espaço deixado pela ausência de legislação específica, o STF deixa claro que a neutralidade das plataformas não pode ser desculpa para a propagação de crimes. A decisão marca uma virada no entendimento jurídico sobre o papel das redes sociais e pode influenciar o comportamento de empresas digitais em outros países da região.
No Congresso
O deputado Átila Lira (PP), membro da Comissão de Direito Digital da Câmara dos Deputados, disse que é importante que a regulação das plataformas digitais possam equilibrar as responsabilidades públicas, com o respeito à liberdade econômica.
“Hoje, essas plataformas atuam como intermediárias em áreas centrais da vida dos brasileiros, como a liberdade de expressão, o mercado de trabalho e o acesso a bens de consumo. Por isso, o Congresso deve agir para garantir mais transparência e responsabilidade por parte dessas empresas”
O parlamentar ainda informou que a regulação das bigtechs no Brasil devem incentivar com que agentes econômicos possam investir no país, podendo contribuir com a geração de emprego e renda e que as redes precisam ter definidas as responsabilidades legais em situações de crimes cometidos por seus usuários.
“Outro ponto fundamental é o papel das plataformas na ocorrência de crimes cometidos por meio de suas estruturas. Fraudes, golpes e a venda de produtos piratas, por exemplo, se tornaram comuns no ambiente digital. Por isso, é essencial definir claramente, em termos legais, quais são as responsabilidades dessas empresas — tanto para dar segurança jurídica a elas quanto para proteger os direitos dos cidadãos”, declarou.
O outro lado, o deputado federal Merlong Solano (PT), se diz favorável a regulamentação as plataformas digitais no Brasil, apontando que elas têm um papel muito importante na vida de todos os brasileiros e que não pode continuar sem algum tipo de controle, já que hoje muitos crimes digitais são cometidos, que chegam a ter uma forte repercussão na vida econômica das pessoas.
“É preciso que haja transparência e responsabilidade no âmbito das redes sociais e das bigtechs em particular. Quem comete algum crime na vida real está sujeito a ser punido. Quem comete algum crime nas redes sociais também tem que responder na forma da lei”, declarou.
O parlamentar ainda informou que a regulamentação não implica em trazer riscos à liberdade de expressão, que ela vem para definir as regras do jogo de maneira transparente para todos.
“Quem cometer crime na rede digital, será obrigado a responder na forma da lei. Não tem nada a ver com quem usa o espaço da internet para emitir suas opiniões políticas. O que tem a ver é com coibir fake news, coibir golpes, coibir o uso criminoso das redes sociais”
Por fim, Merlong informou que acredita que a regulamentação pode contribuir para facilitar as investigações e responsabilização dos crimes sociais como discursos de ódio, fake news e ameaças em que as redes sociais podem participar desse esforço e cuidado de combate.
“O que está sendo divulgado através da minha plataforma? Está sendo divulgado algo que faz mal à sociedade. Os crimes estão sendo divulgados, tem golpista pagando, impulsionando suas mensagens para poder aplicar golpe no maior número de pessoas, como já aconteceu e está acontecendo. Então isso não tem nada a ver com coibir a liberdade de expressão, e sim com responsabilizar quem usa as redes sociais, responsabilizado na forma da lei”, finalizou.
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