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O risco invisível da automação emocional

A promessa inicial era simples, personalizar a experiência

01/12/2025 às 13h58

A comunicação entrou em uma fase em que não basta compreender o comportamento humano, agora é preciso compreender como ele está sendo reescrito por máquinas que aprenderam a simular emoções com uma precisão que nenhum teórico do século XX poderia prever, e esse movimento inaugura um território que desafia Marshall McLuhan, Shoshana Zuboff e Byung Chul Han, pois coloca a emoção não mais como consequência da mensagem, mas como matéria-prima manipulável para gerar engajamento, controle e direcionamento de massa. A automação emocional nasce no encontro da economia da vigilância com a engenharia comportamental, transformando cada gesto digital em um vetor de inferência afetiva que algoritmos traduzem em previsões, respostas e estímulos calibrados milimetricamente.

A promessa inicial era simples, personalizar a experiência, mas o que se consolidou foi a criação de um sistema que amplifica o que sentimos para intensificar nosso tempo de tela, e esse fenômeno, amplamente discutido por Zuboff, revela uma dinâmica perigosa em que a emoção se torna um recurso explorado industrialmente. A emoção, antes subjetiva e indomável, tornou-se previsível, categorizável e manipulável, e essa capacidade técnica inaugura uma nova forma de poder, uma arquitetura invisível que age de maneira contínua, silenciosa e profundamente eficiente. O feed que conforta, o anúncio que parece íntimo, a notificação que chega no instante exato em que a ansiedade cresce, nada disso é acaso, tudo é cálculo.

O perigo central é que a automação emocional não opera pela lógica da persuasão tradicional, a mesma que McLuhan estudou ao observar a mídia como extensão do ser humano, ela opera por condicionamento, por estímulos repetidos que moldam estados internos. Não existe debate nem contraditório quando o sistema aprende que indignação gera engajamento e, portanto, devolve indignação, ou que comparação social aumenta permanência, logo intensifica a comparação. Byung Chul Han já alertava para o cansaço e a autoexploração emocional como características da sociedade contemporânea, e agora vemos uma camada adicional, a exploração algorítmica das nossas vulnerabilidades afetivas, transformando emoções em indicadores de performance.

No marketing, essa automação inaugura uma nova ética, porque marcas que utilizam sistemas avançados de predição afetiva conseguem adaptar a mensagem ao humor do consumidor com uma eficiência que ultrapassa qualquer técnica anterior, criando vínculos artificiais que simulam empatia mas, na verdade, respondem apenas à lógica de maximização. A comunicação deixa de ser diálogo e se torna ajuste contínuo, e muitos profissionais celebram essa eficiência sem compreender o risco de longo prazo, já que a relação entre marca e público passa a ser mediada por sistemas que entendem sensações melhor do que o próprio indivíduo. Não se trata mais de vender produtos, mas de intervir no estado emocional que leva ao consumo.

Na política, o cenário é ainda mais crítico, porque a automação emocional cria ambientes informativos que reforçam crenças pré existentes e ampliam clivagens sociais, o que diversos estudos recentes em psicologia social e ciência dos dados já indicaram como um dos motores da radicalização contemporânea. Se a comunicação política sempre dialogou com emoções, agora ela é capaz de moldá-las em escala, produzindo microtempestades afetivas que influenciam decisões, votos e percepções sem que o indivíduo perceba a origem dessas mudanças internas. A opinião se torna um produto moldável e a emoção, um gatilho programável.

No cotidiano, convivemos com máquinas que simulam cuidado com uma fluidez perigosa, já que oferecem respostas compreensivas, timing emocional perfeito e linguagem acolhedora, e essa simulação contínua pode gerar vínculos que o usuário interpreta como conexão real, quando na verdade são resultado de cálculos probabilísticos. A automação emocional não assume riscos, não tem limites, não sente, mas entende as condições que fazem alguém acreditar que está sendo acolhido, e isso produz uma relação assimétrica em que o humano entrega confiança enquanto a máquina entrega eficiência matemática.

O ponto que mais preocupa é a naturalização desse fenômeno, já que quanto mais perfeita a simulação, menor a percepção de risco, e quanto mais confortável a experiência, maior a entrega emocional involuntária. Se no passado temíamos que as máquinas substituíssem trabalhos, agora precisamos temer que substituam percepções, julgamentos e sentimentos, influenciando rotinas cognitivas que antes eram exclusivamente humanas. A automação emocional, quando não regulada, não convence, ela molda, não opina, direciona, não dialoga, ajusta, e essa mudança exige reflexão imediata.

O futuro da comunicação dependerá de profissionais capazes de integrar domínio tecnológico com responsabilidade ética, porque não basta saber usar algoritmos, é preciso compreender seus efeitos profundos e invisíveis. O marketing que prosperará será aquele que resiste à tentação de explorar vulnerabilidades emocionais e que escolhe construir relações mais sólidas, narrativas mais profundas e estratégias mais humanas, pois a sociedade só será capaz de equilibrar esse cenário se compreender que emoção não é dado e não deve ser usada como instrumento bruto de manipulação. A verdadeira inovação estará não na exploração, mas na proteção, e quem dominar essa fronteira será protagonista do próximo capítulo da comunicação global.