Como você manifesta o amor que sente? Uma das linguagens de quem ama são os atos de serviço, pequenas ações que traduzem carinho, acolhimento e respeito. Uma mão estendida, um abraço, uma palavra de incentivo, o simples ato de estar ali, lado a lado, ajudando no percurso tortuoso e, por vezes, desafiador que é a vida. Já diria Erasmo Carlos quando compôs Gente Aberta: “As pessoas que caminham, seja lá para onde for, é uma gente que é tão minha, que eu vou. Se o amor me chamar, eu vou”.
Há quem entenda que o amor é uma provocação, faz com que as pessoas se movimentem e saiam de sua zona de conforto em prol não de si mesmo, mas do outro. Como um ato de doação, permite enxergar quem até então era invisível, derruba preconceitos e cria uma unidade. Como diz o verso, “quem vive amando, dando amor e sendo amado, colhe o que lhe é oferecido e a si mesmo se coloca ofertado”.
No último dia 10 de junho, mais de 40 mil teresinenses se ofertaram em favor do próximo numa demonstração coletiva de unidade e doação. Foram mais de 40 mil corações atendendo ao chamado maior de acolhimento, caminhando juntos com amor e por amor, e demonstrando o sentimento em atos e palavras. Mas mais do que se doar, andar lado a lado celebrando a fraternidade é também agir conforme os dons de Deus.
Participar da Caminhada da Fraternidade por si só é atender a um chamado cristão. E na 28ª edição do evento, que aconteceu no começo deste mês, esse chamado se manifestou no ato de amar. Quem deu as mãos e marchou junto no percurso pela Avenida Frei Serafim viveu à semelhança do amor de Deus pelos mais necessitados. Um amor que não finda na linha de chegada, mas se potencializa depois dela e se perpetua em cada pequeno gesto.
Com o tema “O Amor Chamou, Eu Vou”, a 28ª Caminhada da Fraternidade enlevou os corações dos teresinenses com o sentimento mais sublime que os filhos de Deus podem ter. Atender ao seu chamado, portanto, se tornou imperativo. É o que diz a enfermeira Maria dos Remédios, que participou do evento deste ano junto do marido, Francisco das Chagas. Os dois são casados há mais de 40 anos e esta foi a primeira vez que estiveram na Caminhada.
Maria dos Remédios conta que decidiu participar da Caminhada da Fraternidade atendendo a um convite de Francisco. Ele próprio afirma que o tema deste ano lhe veio como uma convocação para estar ali. “Eu passava na porta do Centro Pastoral e vi todo mundo comprando as camisas. Então pensei que era meu dia também, que estava na hora. Comprei minha camisa e da minha esposa e estamos aqui”, relata Francisco.
Para ele e Maria dos Remédios, o amor se traduz na fraternidade. Ela afirma que o amor é uma necessidade nos dias que se vive hoje. “Essa multidão de gente aqui é o amor que estamos precisando realmente nos nossos dias. Muito amor e fraternidade”, diz. Como Remédios manifesta esse amor? Através do cuidado. “No meu trabalho eu digo que 50% é doação. Só em estar ajudando uma pessoa que está precisando, me sinto agradecida e realizada”.
Necessidade e cuidado para alguns, e união para outros. O amor tem muitas facetas, mas todas elas terminam sempre no mesmo lugar: o acolhimento ao próximo. Alexsandra Cardoso conta que viu na Caminhada da Fraternidade uma oportunidade de enriquecimento emocional através da mensagem do amor de Deus materializado no amor ao próximo. Como ela demonstra esse amor? Através da vivência em unidade.
“Como filhos de Deus, anunciamos através da caminhada o amor d’Ele com todos nós. O amor nos deu esse despertar para vivenciar a caminhada. Esse chamado é nosso fortalecimento diário e temos aqui a experiência do Amor de Deus anunciado através do cuidado com o próximo. Porque eu amo, eu procuro levar essa mensagem de amor e fraternidade”, diz Alexsandra.
Há quem entenda o amor como um propósito e a tradução do próprio sentido de “vida”. Merilene Dutra é cadeirante e, inspirada pelo amor ao próximo, participou pela quarta vez da Caminhada da Fraternidade. Ela acredita que fraternidade é apenas o complemento de tudo que o amor representa na vida. “É importante nos unirmos em fraternidade, mas para mim ela é um acréscimo no amor que sentimos pelo outro. Porque se amamos, temos empatia e somos fraternos. O amor é o centro de tudo”, finaliza.
“É Deus quem nos chama”
João 4:8 diz que “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor”. Quem ama, permanece em Deus. Foi pelo amor divino e tudo que ele representa, que a 28ª Caminhada da Fraternidade trouxe como tema “O Amor Chamou, Eu Vou”. É a celebração de um ano vocacional em que Deus chama para nos unir em fé, vida, oração e contemplação.
O arcebispo de Teresina, Dom Juarez Sousa, explica que a Caminhada da Fraternidade é um momento de partilhar os dons que Deus deu aos seus filhos e o atendimento ao convite de amar uns aos outros. “A medida do amor é a semelhança do amor de Cristo. Jesus é a palavra viva que nos trouxe a salvação e a igreja é a palavra que se faz voz e que nos chama a viver a fraternidade, o amor e a construir a justiça social”, diz.
O chamado de Deus através da igreja, entendido como o amor verbalizado, convida para a misericórdia e a fraternidade. Estes são os caminhos para a paz social, que só poderá ser alcançada quando os mais vulneráveis forem a prioridade. Conforme explica o coordenador do evento, Padre Isaías Pereira, a Caminhada da Fraternidade foi criada para ajudar as pessoas que mais precisam.
Hoje, a Ação Social Arquidiocesana (ASA) de Teresina tem nove serviços que atendem desde pessoas com câncer a jovens em situação de vulnerabilidade social. Tudo que é arrecadado com as vendas dos kits para a Caminhada é revertido para estes projetos e também a outras ações sociais que têm seriedade e comprovação. As camisas que os participantes trajam não são meras peças de vestuário, mas a oportunidade de sair da indiferença e estender a mão a quem precisa.
“Não é simplesmente comprar a camisa. É participar, ter consciência de que estou fazendo um ato de caridade e ajudando quem está precisando. A Caminhada existe para abraçar essas pessoas e dar a elas amor. É o amor de Deus e é ele quem está chamando. Como posso recusar o chamado de Deus a estender a mão para meu irmão?”, afirma o padre Isaías.
Criador da Caminhada da Fraternidade, o Padre Tony Batista destaca que o evento não é dos muros da Arquidiocese, e sim do povo. “É um patrimônio de todos vocês. Teresina é uma cidade que partilha, que diz ‘sim’, que vai atrás, que vai na frente, que corre. É uma cidade que dá orgulho para qualquer um. Se o amor me chamou, eu vou. Aliás, nem vou. Eu corro atrás”, afirma Tony.
Amor se pratica com convivência e diálogo
“O amor requer reflexão sobre coisas simples como orgulho, empatia, como lidar diante dos conflitos e como não tomar partido. Na convivência é que eu te conheço e não existe convivência sem conflito. O que existe é uma convivência que precisa ser dialogada e na qual se exercite o respeito. Mesmo com as nossas diferenças, a gente consegue com diálogo e respeito. Às vezes precisamos recuar e calar, mas o amor é isso: é aprender com eles e com as histórias de vida deles”.
A sentença é da assistente social Valdeníria Silva, coordenadora do Projeto Novos Meninos, um centro de convivência mantido pela Ação Social Arquidiocesana (ASA) e que atende 150 jovens em situação de vulnerabilidade social. A sede fica na Rua Arlindo Nogueira, Centro de Teresina, e se baseia em ser o contraponto da realidade que essas crianças e adolescentes vivem dentro de casa.
Se em casa eles encontram medo e descaso, no projeto, encontram acolhimento e cuidado. Se nas ruas encontram preconceito e se expõem a riscos, no projeto eles encontram aceitação e proteção. O Centro de Convivência Novos Meninos atende a pessoas de 7 a 17 anos. São meninos e meninas com vínculos familiares frágeis e que já foram expostos a diversas formas de violência, desde a física, passando pela psicológica e até à violência sexual.
“Trabalhamos em parceria com a escola, no contra turno. Ofertamos algumas atividades lúdicas e de interesse deles. Temos judô, música, oficina de arte, aulas de informática e teatro. Temos aqui um espaço para eles mostrarem o que sentem, se expressarem”, explica Valdeníria. A equipe técnica do Projeto Novos Meninos conta com pedagogos, psicólogos, assistentes sociais com a missão de incluir esses meninos e meninas nas políticas públicas trabalhando a centralidade na família.
O trabalho, a coordenadora diz, é desafiador, mas tem rendido bons frutos. Valdeníria comenta o caso de um dos meninos atendidos no Centro. Ítalo Carlos chegou ao Novos Meninos com 7 anos. A mãe era dependente química e não tinha condições de prover o básico para o filho.
“Ele ia para a escola e vinha para cá a semana inteira para não se envolver com droga. Era um menino que tinha tudo para não dar certo e nós conseguimos fazer ele amar o judô. Esse ano ele conseguiu a faixa preta, é instrutor e passou no vestibular para Educação Física. Hoje o Ítalo tem 21 anos e está firme, e isso, para nós, é tudo”, recorda Valdeníria.
O Centro de Convivência Novos Meninos recebe doações de itens de alimentação e materiais higiênicos de forma presencial. O espaço fica localizado na Rua Arlindo Nogueira, 80. Para doações financeiros, os interessados devem procurar a ASA e discriminar para qual ação social o valor será destinado. A Ação Arquidiocesana é quem repassa ao projeto o que for recebido e é quem faz a distribuição dos valores entre todos os serviços por ela mantidos.
Como afirmou o arcebispo Dom Juarez Sousa, o amor é muito maior e mais forte quando se materializa de alguma forma, seja em um gesto ou em uma palavra de acolhimento. O amor é ação, movimento e união. E o amor em Deus é se colocar ofertado ao outro, sobretudo àqueles que mais precisam. "Este é o propósito cristão e é esse amor que devemos viver", finalizou o arcebispo.