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Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos

Com o auxílio da família e de locais especializados no acompanhamento, como o CAPS AD e casas terapêuticas, adictos aprendem a conviver com o alcoolismo e recuperam suas vidas.

15/09/2025 às 09h39

Na sala de oficinas do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD) de Teresina, mosaicos, pinturas e o barulho de conversas se misturam a um silêncio que não é vazio. É o silêncio de quem reaprendeu a escutar a própria vida. Ali, como em outras unidades e serviços de terapia, o tratamento do alcoolismo não é apenas a interrupção do consumo, é um trabalho que envolve reabilitação social, ajuste de rotinas, cuidado médico e apoio familiar. Para muitos, é também a porta de saída de vivências que, por anos, prejudicaram relações, trabalho e saúde física.

Hoje, é comprovado que o alcoolismo é um transtorno relacionado ao uso de substâncias, com critérios clínicos e níveis que vão do leve ao grave. A Organização Mundial da Saúde e os serviços de saúde pública tratam o consumo nocivo de álcool como um importante fator de morbidade e mortalidade, responsável por parcela significativa da carga de doenças da população, sobretudo entre jovens adultos.

O caminho até serviços de apoio, recuperação e reabilitação é quase sempre marcado por perdas e desgaste. “Eu comecei a beber por curiosidade, fui aumentando e não admitia que me tornava dependente. Perdi amigos, me afastei da família e de Deus. Eu comecei a perceber que tudo que estava acontecendo na minha vida era por causa do alcoolismo. Foi quando me apresentaram às casas terapêuticas”, conta Edvaldo Marques, técnico agrícola, que passou por uma dessas casas, a Comunidade Nova Vida, na cidade de João Costa, região Sul do Piauí.

Edvaldo relembra que, ao chegar à casa terapêutica, passou por um longo processo de adaptação. “Eu conheci os 12 passos do alcoólatra e me identifiquei praticamente com todos eles. Só quando aceitei que era ‘um adicto’ é que comecei a me fortalecer para o tratamento”, diz. Edvaldo se tornou monitor da casa terapêutica e, depois, coordenador. Hoje, faz trabalho social e palestras em sua cidade, Canto do Buriti, um exemplo de como a trajetória pessoal pode virar instrumento de prevenção.

Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos - (Arquivo pessoal) Arquivo pessoal
Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos

“Hoje, eu me vejo como um ser que não precisa mais do álcool para viver, me vejo como uma pessoa mais feliz, mais honesta, mais amável e amada”, diz Edvaldo. A comparação que ele faz com doenças crônicas é clara: “não tem cura, mas existe tratamento paliativo, como a insulina para o diabético. Se eu me cuido, vivo na sobriedade”.

Tratamento é mudança de rotina e acompanhamento

No atendimento público, o diagnóstico e o plano terapêutico saem do acolhimento. É necessário, também, uma avaliação multiprofissional que define se aquele paciente precisa de acompanhamento especializado. Christina Mayra, enfermeira com oito anos de trabalho no CAPS AD de Teresina, explica que o serviço oferece as modalidades intensiva, semi-intensiva e não intensiva, além de consultas com psiquiatra, psicólogo, assistência social, terapeuta ocupacional, nutricionista, artesã, equipes de enfermagem, ações de redução de danos, clínico geral (sendo o único CAPS a ter essa especialidade) e vários outros profissinais.

O objetivo principal do trabalho realizado no Centro é a reabilitação social, ajudando a pessoa atendida a recuperar funções, se reinserir no trabalho e nos vínculos familiares, e construir uma rotina que minimize riscos de recaída. “Não existe remédio que ‘elimine’ a vontade de beber. É mudança de rotina, de pensamento e de comportamento”, resume Christina.

Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos

As oficinas artísticas e ocupacionais realizadas no local aparecem com peso nas falas dos pacientes. Maria Lúcia, em tratamento há três anos, define o CAPS como “porta de salvação”. Ela participa de oficinas, cursos e grupos, e atribui a eles a paz que hoje tem em casa. Para pacientes que chegam fragilizados, atividades manuais como mosaico e artesanato ajudam a resgatar concentração, autoestima e habilidade para o trabalho, elementos práticos na reconstrução da vida cotidiana. Merval Santiago, em retorno ao serviço após recaídas, afirma que o tratamento intensivo e as oportunidades de convivência social foram decisivos para readquirir rotina e ocupação.

A oferta pública, porém, enfrenta limitações. Em Teresina, por exemplo, há alta demanda para o tratamento e uma desigual distribuição geográfica dos serviços, o que acaba dificultando o acesso quem mora mais longe e destaca a necessidade de políticas locais e estaduais que ampliem a cobertura e a integração com Unidades Básicas de Saúde.

A importância do apoio familiar

A participação e a presença dos familiares no processo são outro pilar importantes e sempre citados pelos adictos e pelos profissionais que participam do acompanhamento. Os locais de apoio e os próprios pacientes apontam que o suporte familiar pode tanto favorecer a recuperação, quanto ser fator de agravamento do vício, nos casos em que há incompreensão ou estigma. Por isso, o CAPS mantém grupos especiais, em que são trabalhadas informações sobre a doença, estratégias de convivência e limites saudáveis.

Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos

Christina Mayra, em seus anos de atuação na área, relembra as várias situações em que o preconceito da família foi prejudicial para a recuperação da pessoa adicta. “Muitas famílias acham que é uma fraqueza. O grupo família ajuda a entender que é um problema de saúde”, diz a enfermeira. A convivência e a escuta têm o poder de transformar as relações e de contribuir de forma benéfica para a recuperação de quem precisa.

Entretanto, é importante lembrar que o tratamento não significa uma linha reta para a manutenção da sobriedade. A dependência é um transtorno crônico, com riscos de recaídas. Por isso, a vigilância clínica, a rede apoio e a adesão contínua a práticas que façam bem são centrais e essenciais para esse processo de recuperação.

Francisco Clemilton, que faz acompanhamento no CAPS desde 2018, destaca a importância do atendimento conjunto, com participação de psiquiatra, psicólogo e nutricionista, por exemplo. Ele acredita que esse leque multiprofissional contribui para a sustentação de resultados a longo prazo.

Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos

Segundo Christina Mayra, a abordagem de redução de danos, mencionada pelos profissionais, não significa incentivo ao uso, e sim uma estratégia pragmática. Enquanto a abstinência total não é atingida, reduzir prejuízos imediatos (como consumo em contexto de risco, cuidados com a saúde física e vacinação, acesso a tratamento médico para comorbidades) protege a vida e prepara o terreno para mudanças mais profundas.

Essa estratégia dialoga com as múltiplas trajetórias de recuperação observadas nas entrevistas para entrada no Centro. Há quem consiga manter a abstinência em poucos meses, mas há quem precise de anos de acompanhamento e retomadas periódicas ao tratamento. Christina reforça: “o tempo de tratamento é relativo, depende da necessidade de cada pessoa”.

Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos - (Assis Fernandes/O Dia) Assis Fernandes/O Dia
Alcoolismo: saiba mais sobre a doença e seus possíveis tratamentos

Além da atenção clínica, histórias de protagonismo reforçam o sentido social do cuidado: Edvaldo, que hoje faz palestras em escolas e coordena atividades em comunidades terapêuticas, ilustra como vivências pessoais transformadas em ação podem prevenir novos casos e reduzir estigma. “Quando eu admiti que era impotente perante o álcool, comecei a querer tratamento. Hoje faço questão de repassar o que aprendi”, diz ele.

Casos assim mostram que a recuperação tem dimensão pessoal e comunitária. É um ciclo em que quem já passou pelo tratamento vira elo para quem ainda busca ajuda. Os relatos de quem passa pelo tratamento vitalício reforçam que procurar ajuda é sinal de força, não de fraqueza, é um ponto prático para quem reconhece prejuízos ligados ao álcool.

Serviços públicos como CAPS AD, unidades básicas e grupos comunitários (como Alcoólicos Anônimos) somam profissionais, rede e experiências que já mudaram muitas vidas. Redes de saúde pública e organismos internacionais destacam que políticas de prevenção, controle do consumo nocivo e ampliação do acesso a tratamento são essenciais para reduzir o impacto do álcool na população. Para quem vive o problema hoje, é preciso lembrar que há caminhos para a sobriedade e que existe tratamento. A recuperação é difícil, mas possível.

Rebeca Negreiros, especial para o Portal O Dia, com edição de Isabela Lopes.


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