A Proposta de Emenda Constitucional conhecida como PEC da Blindagem, aprovada recentemente na Câmara dos Deputados, reacendeu o debate sobre os limites da imunidade parlamentar, um dos debates mais sensíveis da democracia brasileira. O tema gerou reação imediata da sociedade civil, além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e levou milhares de pessoas às ruas no último domingo (21), em atos contrários à medida.
Para o advogado eleitoral Wallyson Soares, a proposta representa um retrocesso grave, ao resgatar um modelo que já foi superado no Brasil após décadas de impunidade parlamentar. O especialista lembra que a Constituição de 1988, nascida após o período da Ditadura Militar, estabeleceu a imunidade como forma de proteger deputados e senadores contra perseguições políticas. Porém, na prática, abriu brechas para que crimes comuns fossem encobertos, resultando em casos emblemáticos de impunidade.
LEIA TAMBÉM
“Na década de 1990 e início dos anos 2000, vimos parlamentares envolvidos com narcotráfico, homicídios e corrupção escaparem de punições porque o Congresso não autorizava o andamento de processos criminais. O Brasil chegou a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por esse modelo, considerado não-convencional”, relembra o jurista.
Foi justamente diante desse cenário que, em 2001, o sistema foi alterado para permitir que o Supremo Tribunal Federal (STF) pudesse abrir ações criminais contra congressistas sem a necessidade de aval legislativo. Segundo Wallyson, o retorno da blindagem agora não acontece por acaso.
O advogado aponta que o endurecimento das ações do STF em relação às chamadas emendas PIX (recursos sem critérios claros de aplicação) tem incomodado políticos de todas as regiões. “Hoje, temos municípios pequenos recebendo cifras desproporcionais de emendas, enquanto cidades grandes ficam com menos recursos. Descobriu-se que muitas dessas emendas têm sido usadas para corrupção, superfaturamento e até para pagamento de percentuais de volta a deputados”, revela.
No Piauí, por exemplo, a distorção fica evidente em comparações entre cidades do interior e a capital. “Buriti dos Lopes, com 19 mil habitantes, recebeu cerca de R$ 21 milhões em emendas, mais do que Teresina, que tem quase um milhão de habitantes e recebeu R$ 17 milhões. Essa lógica eleitoral ou de interesses escusos tem sido investigada e a PEC surge justamente para blindar parlamentares desses processos”, diz Wallyson.
Ainda segundo o especialista em direito eleitoral, não é coincidência que todos os dez deputados federais piauienses tenham votado a favor da proposta. “Eles também estão sujeitos a essas investigações. A PEC aparece como uma forma de autoproteção”, avalia.
Pressão popular e responsabilidade do Senado
A mobilização popular, que reuniu setores da esquerda, do centro e até artistas em protestos por todo o país, pode ser decisiva no próximo passo da tramitação da proposta. O relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), se posiciona contra a proposta. A expectativa é de que a CCJ enterre a PEC antes mesmo que ela chegue ao plenário.
Segundo Wallyson Soares, o Senado tem a responsabilidade de cumprir o papel de “casa revisora” diante de um projeto que ameaça a democracia. “Não se trata de retirar a imunidade parlamentar, que é essencial para o livre exercício do mandato. O que não pode é transformar essa prerrogativa em escudo para corrupção, homicídios, peculato ou participação em organizações criminosas”, destaca.
Nos bastidores, a votação na Câmara dos Deputados também foi associada a negociações envolvendo a distribuição de emendas e a manutenção do número de cadeiras por estado na casa, já que o Piauí corre risco de perder duas vagas. Entretanto, para o advogado, essa justificativa não tem sustentação.
“Tudo passa pela distribuição de recursos. O veto presidencial sobre o aumento de número de vagas serviu apenas como pano de fundo para barganhas em torno das emendas, que hoje estão no centro de um sistema promíscuo”, analisa.
Wallyson critica a tentativa de alguns parlamentares de justificar o voto alegando perseguição do STF ou negociações com a pauta da anistia. “Não existe ingenuidade no Congresso. Todos sabiam o que estavam votando. São pautas distintas e que não podem ser usadas como desculpa. Quem votou a favor da PEC da Blindagem, foi para se proteger”, completa ele.
Risco de retrocesso
De acordo com o advogado eleitoral, o PEC representa um risco real para a retomada de tempos de impunidade. “Durante anos, mais de 200 pedidos de processamento criminal contra deputados não foram autorizados pela própria Câmara. Esse modelo não pode voltar. Um parlamentar pode criticar ministros, fazer denúncias, exercer seu mandado com liberdade, mas não pode cometer delitos e usar seu mandato como escudo. O Senado precisa enterra de vez essa proposta, que é uma excrescência para a democracia”, conclui.
Com forte rejeição da popular em geral, pressão institucional e indicativos de derrota no Senado, a chamada PEC da Blindagem deve segui como um dos temas mais polêmicos e mobilizadores do cenário político de 2025, refletindo a tensão permanente entre poderes Legislativo e Judiciário no país.
Você quer estar por dentro de todas as novidades do Piauí, do Brasil e do mundo? Siga o Instagram do Sistema O Dia e entre no nosso canal do WhatsApp se mantenha atualizado com as últimas notícias. Siga, curta e acompanhe o líder de credibilidade também na internet.