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O novo cérebro do Marketing

06/11/2025 às 18h13

Durante boa parte do século XX, o marketing acreditou que seu papel era convencer pessoas a comprar coisas que não precisavam. E, convenhamos, funcionou. Bastava um jingle chiclete, um sorriso plastificado e pronto: o público, esse ente mítico, indefeso e previsível, obedecia. A publicidade reinava com sua estética de persuasão, e as marcas, como deuses modernos, ditavam o que era belo, desejável e necessário. Mas o mundo mudou. O público morreu. E ninguém foi ao velório.

Hoje, vivemos em uma era em que os algoritmos sabem o que você quer antes mesmo de você sentir vontade. Não é mais o desejo que antecede a oferta; é o dado que cria o desejo. O marketing deixou de adivinhar, agora ele calcula. As campanhas não nascem mais da intuição do gênio criativo que acorda inspirado, mas de planilhas, gráficos e sistemas capazes de traduzir o comportamento humano em estatísticas de conversão.

A arte deu lugar à engenharia emocional. As musas foram substituídas pelos insights de consumo. A intuição ainda existe, mas ela agora precisa de dados para ter licença poética. O publicitário romântico que se orgulhava de vender até gelo para esquimó hoje precisa aprender a escrever prompts e ler dashboards. Não é o fim da criatividade, é o início da sua reconfiguração.

Philip Kotler, o pai do marketing moderno, já dizia que o marketing sempre foi sobre entender necessidades humanas. O que mudou é que agora conseguimos medi-las em tempo real. Yuval Harari chamaria isso de dataísmo, a fé moderna de que os dados sabem mais sobre nós do que nós mesmos. E talvez ele tenha razão: nunca fomos tão previsíveis, tão rastreáveis e tão vulneráveis à precisão de uma recomendação de produto feita por um algoritmo que nos conhece melhor que um amigo de infância.

Mas calma: isso não é uma elegia à tecnologia. É uma constatação. O problema não é a IA; é o modo como a utilizamos. Marshall McLuhan, lá nos anos 60, já alertava que o meio é a mensagem. Hoje, o meio é a máquina, e ela está nos ensinando a pensar de forma mecânica. Quando olhamos para a avalanche de anúncios, influencers e automações tentando falar com o público, percebemos uma ironia: quanto mais ferramentas temos para comunicar, menos de fato nos comunicamos.

Quem ainda acha que o ChatGPT é só uma modinha, provavelmente ainda manda “Oi, sumido” achando que está inovando na comunicação. A inteligência artificial não veio substituir o humano, veio expor o quanto muitos estavam no piloto automático. E se há um mérito nessa revolução, é o de separar o marketeiro de palco do estrategista de dados. O primeiro fala sobre alcance. O segundo entende de impacto.

O marketing do futuro não será sobre gritar mais alto, mas sobre ouvir mais fundo. O consumidor não quer ser convencido, quer ser compreendido. A IA é, nesse sentido, um amplificador da empatia quando usada com ética e propósito. Ela permite personalizar a experiência, antecipar demandas e construir relações mais significativas. Mas exige uma nova competência: a de pensar como máquina sem agir como uma.

Zygmunt Bauman falava da modernidade líquida, um tempo em que nada é sólido, nem as relações, nem as marcas. Nesse contexto, o dado é o novo cimento das conexões. Ele dá forma ao efêmero. Mas, se não for guiado por valores humanos, vira lama digital: informação sem propósito. Por isso, o papel do estrategista contemporâneo é ser uma espécie de tradutor entre dois mundos: o dos sentimentos e o dos sistemas. O profissional que entende de algoritmos, mas também de alma. O que sabe que um clique é só o sintoma de um desejo muito mais profundo.

Nesta coluna, quero falar sobre isso: o novo marketing que nasce quando o feeling encontra o algoritmo. Aqui, o leitor não vai encontrar frases prontas de autoajuda corporativa nem o otimismo superficial dos manuais de sucesso. Vai encontrar reflexões sobre negócios, comportamento, inovação e esse admirável mundo novo das inteligências, a natural e a artificial.

Talvez você se identifique. Talvez se irrite. Em ambos os casos, ótimo: o marketing começa quando algo se move dentro de nós. Se antes vendíamos produtos, hoje vendemos sentidos. E, na era da IA, quem não entende de significado acaba sendo apenas dado de treinamento.