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A revolução libertária na Argentina

13/11/2025 às 13h17

No último século a Argentina experimentou um declínio singular, sendo o único país a regredir de economia avançada para em desenvolvimento. Anteriormente, no período de crescimento observado entre 1860 e 1929, a economia Argentina foi impulsionada pela abertura econômica e pela demanda por seus recursos naturais, mas tal fenômeno não foi acompanhado por uma industrialização robusta, ao contrário de outras nações, como o Canadá. As tentativas subsequentes de industrialização falharam devido à manipulação política por parte de oligarcas, em benefício próprio, e à corrupção, que impediu o desenvolvimento de indústrias competitivas.

As experiências de livre mercado, como as da junta militar nos anos 70 e do governo Menem nos anos 90, foram desastrosas. A instabilidade política e as taxas de câmbio fixas, que tornaram a Argentina mais cara, afastaram o investimento direto estrangeiro no setor produtivo, atraindo apenas capital especulativo. Tal histórico sugere que o problema da Argentina não reside apenas nas políticas econômicas em si, mas em instituições políticas e econômicas herdadas de um modelo de colonização que beneficiou uma elite em detrimento do crescimento inclusivo.

Javier Milei tem capturado a atenção global com sua abordagem radical e sua retórica combativa, descrevendo o Estado como uma "organização criminosa violenta" e embarcando em uma missão para desmantelar a "casta política" e restaurar a liberdade e a prosperidade na Argentina. Seu plano de "terapia de choque" é uma ruptura total com as políticas peronistas que, segundo ele, mergulharam o país em décadas de crise.

Milei vê a expansão do gasto público como a causa fundamental da instabilidade macroeconômica, alinhando-se à Escola Austríaca de Economia, que defende o Estado Mínimo (Minarquismo), uma vertente do Libertarianismo de Milei. O cerne do seu projeto é um ajuste fiscal sem precedentes, simbolizado por sua famosa motosserra de campanha, com o objetivo de reduzir os gastos públicos em 30% e eliminar um déficit fiscal de 15 pontos percentuais do PIB. Através de cortes drásticos – como a eliminação de ministérios, a redução de empregos públicos, a suspensão de obras públicas e o fim de transferências discricionárias para as províncias – Milei conseguiu atingir um superávit fiscal logo no primeiro mês de governo. Essas medidas, juntamente com a desregulamentação de centenas de leis, visam reduzir a interferência do Estado na economia.

Embora os indicadores macroeconômicos tenham mostrado sinais positivos, com a inflação desacelerando e o governo alcançando um superávit orçamentário, o custo social do tratamento de choque num primeiro momento foi imenso. Milhões de argentinos foram empurrados para a pobreza. A pobreza atingiu 52,9% da população urbana no primeiro semestre de 2024, com a indigência subindo para 18%, um pico inicial atribuído às medidas de austeridade e ao aumento acentuado da inflação.

Contudo, a partir do segundo semestre de 2024, houve uma reversão da tendência: a taxa de pobreza urbana caiu para 38,1% e a indigência recuou para 8,2%. Essa melhora foi atribuída à queda da inflação e ao aumento da renda familiar em termos reais, com o salário no setor privado valorizando 147,5% em 2024, superando a inflação no período. No primeiro semestre de 2025, a pobreza continuou a cair, atingindo 31,6%, a menor taxa desde o primeiro semestre de 2018, mas a situação social continua frágil.

No entanto, como dito, os problemas da Argentina não se limitam às políticas econômicas em si, mas sim a natureza das instituições herdadas de seu passado colonial, segundo o trabalho dos economistas Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson (prêmio Nobel de Economia de 2024). Eles classificam as instituições políticas em extrativas e inclusivas, sendo aquelas extrativas as que permitem que um pequeno grupo de elites no poder domine a sociedade e "extraia" riqueza do restante da população, criando um sistema que beneficia essa elite, mas impede a inovação e o crescimento econômico amplo, através do protecionismo e do esforço para a manutenção do status quo; e as últimas (inclusivas), as que incentivam a inovação através da "destruição criativa", onde as empresas ineficientes são substituídas por novas, mais produtivas.

Classificadas como extrativas, as instituições argentinas permitiram que uma pequena elite com grande poder econômico manipulasse a política. Durante o período de industrialização, por meio do protecionismo, os oligarcas industriais corromperam o sistema para se protegerem de toda concorrência, o que impediu que a indústria argentina se tornasse produtiva e competitiva. As tentativas de reformas de livre mercado também falharam porque a instabilidade política, impulsionada pelos interesses do modelo extrativo, fazia com que as reformas fossem abruptamente revertidas.

A fragilidade institucional é o principal desafio que o governo de Milei enfrenta. A falta de apoio no Congresso e a incerteza política comprometem a capacidade do país de atrair o capital produtivo internacional, vital para a estabilização do câmbio.

A dificuldade da política cambial é enorme. O peso argentino continua sob forte pressão de desvalorização em relação ao dólar, com o Banco Central da Argentina e o Tesouro intervindo constantemente para sustentar a moeda, valendo-se para tanto das já limitadas reservas internacionais do país, o que obriga o governo a recorrer a novos empréstimos, como o acordo de swap cambial de US$ 20 bilhões recentemente obtido junto aos EUA.

Neste cenário, a surpreendente vitória do governo nas eleições legislativas de meio de mandato, em 26/10/2025, após a rápida implementação de profundos cortes nos gastos públicos, os mais intensos já realizados com consentimento democrático, são cruciais para que Javier Milei tenha a capacidade de aprovar reformas e consolidar seu projeto político, evitando que a “casta política” triunfe, mais uma vez, impondo uma nova reversão na política econômica que contraria os seus interesses. Agora Milei conta com deputados suficientes para bloquear tentativas de restaurar os gastos públicos e pode construir uma coalizão para aprovar novas reformas.

O apoio dos eleitores, mesmo após sentirem os rigores da austeridade, demonstra o poder da mensagem da política econômica, dura, mas coerente. A Argentina terá, agora, que conquistar a estabilidade política e a normalidade macroeconômica, a começar pela flutuação total do peso. Terá que recuperar o acesso aos mercados de capitais globais, para permitir a rolagem da dívida argentina que vence no próximo ano; e criar as condições para o crescimento econômico, atraindo o capital estrangeiro para o setor produtivo, o que deve exigir a liberalização do mercado de trabalho e a simplificação do sistema tributário, reformas para as quais a vitória nas recentes eleições será determinante.

A Argentina se tornou um laboratório para o mundo, na busca por provar que a liberdade e a cooperação social podem triunfar sobre a intervenção estatal, e Milei tem nas mãos a chance de transformar a Argentina e ensinar uma lição ao mundo inteiro.