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Teresina transforma calor e saúde em pauta na 3ª edição do ClimaThe

A terceira edição do ClimaThe, a Conferência do Clima de Teresina, acontece entre os dias 26 e 28 de novembro, na capital piauiense, e abre as portas para a discussão dos impactos de condições climáticas extremas na saúde e sua relação com a justiça socioambiental. O evento destaca que, atualmente, tornou-se inviável a separação entre as rotinas da cidade, marcada por temperaturas elevadas, e o debate global sobre o clima.

Rebeca Negreiros/O Dia
Teresina transforma calor e saúde em pauta na 3ª edição do ClimaThe

O encontro consolida-se como o maior espaço do Nordeste brasileiro dedicado a pensar sobre o futuro das cidades quentes e os caminhos possíveis para torna-las locais mais saudáveis, resilientes e inclusivos. Promovida pela Prefeitura de Teresina, com apoio da Secretaria Municipal de Planejamento (Semplan) e da Secretaria Municipal de Articulação Institucional (Semai), a ação reúne gestores públicos, pesquisadores, organismos internacionais e representantes da sociedade civil, o evento reforça o papel da cidade como um laboratório vivo para políticas de enfrentamento ao calor extremo.

A capital piauiense vem, cada vez mais, sendo citada em redes internacionais de cidades, como a C40 (Grupo C40 de Liderança Climática das Cidades) e o ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade), por adotar ações baseadas em evidências climáticas, que se estendem no Plano de Ação Climática ao Programa de Pagamento por Serviços Ambientais. Agora, a capital se coloca mais uma vez no centro do debate sobre como cuidar da população em meio a ondas de calor que atingem recordes sucessivos.

Na edição de 2025, que tem como tema “Cidades Quentes, Ideias Vivas: Justiça Climática e Inovação para um Futuro Resiliente”, que amplia o olhar para além da meteorologia. A programação integra o II Fórum de Justiça Climática de Teresina, a maratona “Pense Quente, Teresina!” e uma série de painéis e debates, três grandes iniciativas que trazem à capital piauiense instituições como FioCruz, Ministério do Meio Ambiente, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, CONAMA, UFPI, entre vários outros.

Calor e saúde

Para o médico Breno Noah, da Diretoria de Atenção Básica e assessor técnico da Fundação Municipal de Saúde (FMS), o encontro é, mais do que um espaço de discussão, uma oportunidade concreta para transformar conhecimento científico em política pública.

“Esse evento é extremamente importante, não só para consolidar o que já vem sendo feito nas pesquisas em Teresina, mas para trazer pessoas de fora que trabalham exclusivamente com isso. Tivemos dados da Fiocruz sobre o impacto do calor extremo e a presença de representantes internacionais, como uma vereadora de Moçambique, mostrando como os eventos climáticos afetam a sociedade”, afirmou.

Rebeca Negreiros/O Dia
Dr. Breno Noah, FMS

O especialista lembra que o propósito central do ClimaThe é, justamente, aproximar a experiência de Teresina do que há de mais avançado no mundo, a fim de gerar políticas que reduzam impactos reais do calor na vida cotidiana da população. Segundo ele, isso só acontece quando governo, pesquisa e sociedade se movem juntos e em harmonia. “É importante juntar o pensamento da Secretaria de Planejamento, da Articulação Institucional, da Prefeitura, da Fundação Municipal de Saúde e de outros órgãos que trazem apoio técnico e parceria”, reforça.

Porém, é essencial destacar que o calor, além de um dado atmosférico, é uma presença diária na vida de quem vive a cidade. O impacto prático aparece com clareza dentro da Unidades Básicas de Saúde (UBSs), por exemplo. Dr. Breno Noah acompanha isso de perto. “A conversa sobre o calor é um tópico recorrente nas UBSs. O paciente caminha até a unidade, chega cansado, às vezes espera em ambientes que ainda não têm climatização ideal. Isso mostra como pensar no resfriamento urbano e resfriamento dos espaços públicos de saúde é urgente”, ressalta.

De acordo com o médico, o interesse da gestão municipal é avançar nesse caminho, com a climatização de escolas, unidades de saúde e a ampliação, por exemplo, do acesso à água potável e ambientes com sombra. No dia a dia, a população relata os efeitos do calor na pele. “Às vezes, o paciente entra na consulta já comentando que passa muito calor. Nós temos que garantir, por exemplo, bebedouros acessíveis, estimular hidratação, orientar sobre proteção solar”, explica ele.

Parte dessas ações já estão em curso em projetos, que agora passam a incorporar diretrizes específicas do clima. Mas outras demandas exigem novos comandos, como tornar o protetor solar mais acessíveis a pessoas de baixa renda. E, para além das medidas práticas, Breno Noah destaca que o calor deve deixar de ser apenas um “quebra-gelo” e passar a ser tratado como questão de saúde pública, o que seria uma importante mudança cultural de impacto direto na população.

“A conversa sobre calor não pode ser apenas no início da consulta. O profissional precisa entender como o clima está afetando a saúde daquela pessoa. Saúde mental, por exemplo, é uma das principais repercussões. Há evidências robustas de que pacientes com dependência química têm mais chances de recair em eventos (climáticos) extremos, e pessoas com esquizofrenia apresentam mais sintomas psicóticos induzidos pelo calor”, afirma o médico.

Impactos e efeitos do calor

A ampla lista de efeitos inclui irritabilidade, alteração no sono, queda de produtividade, infecções urinárias mais frequentes e até surtos psicológicos. Tudo isso se intensifica com o aumento da temperatura, apesar de ainda não ser devidamente registrado ou quantificado.

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Teresina transforma calor e saúde em pauta na 3ª edição do ClimaThe

“A gente não consegue identificar, precisamente, o que é atribuído ao calor e o que não é, porque isso não era discutido. Esse evento é essencial para mudar isso, para transformar em pesquisa e prática, assim como fizemos para mulheres gestantes, por exemplo. Agora, precisamos olhar para menopausa, para idosos, para trabalhadores expostos ao sol”, esclarece o membro da Fundação Municipal de Saúde.

O ClimaThe também reforça que nenhuma política climática funciona se aplicada de forma isolada, ponto que já vem sendo alertado por especialista há bastante tempo. É preciso unir saúde, planejamento urbano, meio ambiente, direitos humanos, infraestrutura, educação e cultura. “Quanto mais intersetorial forem as medidas, melhor. O calor exerce influência biológica, ambiental e antropológica, mudando o modo de vida da população. Então, não basta pensar só em beber água e usar protetor (solar). É sobre entender porque alguém deixa de trabalhar ou permanece em empregos insalubres para manter o sustento da família”, afirma Dr. Breno Noah.

Essa abordagem ampla, segundo o médico, é exatamente o que se vê nos painéis da conferência. “Você tem uma palestra sobre saúde, depois sobre resfriamento urbano, depois direitos humanos, depois saúde outra vez. Vai e volta, porque o calor é esse fator não humano, mas tão presente, tão forte, que só pode ser tratado a partir de muitos pontos de vida”, destaca.

A conferência climática mostra que Teresina decidiu assumir o protagonismo em um debate que, antes, parecia distante. A cidade que sente a situação extrema, tanto no termômetro, quanto nas desigualdades, agora tenta transformar o desconforto em política pública, ciência e cooperação. “É sobre amenizar o sofrimento em Teresina. Entender o impacto maior e, a partir disso, construir respostas que realmente cheguem à população”, resume Breno Noah.


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