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Calor extremo em Teresina desafia saúde materna e expõe desigualdades sociais

Por sua proximidade com a Linha do Equador, a cidade de Teresina, capital do Piauí, sempre foi um local quente. Mas o que antes era apenas motivo de reclamação virou motivo de preocupação, especialmente para a manutenção da saúde. Nos últimos anos, a capital piauiense tem registrado temperaturas cada vez mais elevadas, e o que se sente nas ruas, nas casas e nos hospitais confirma que o calor extremo deixou de ser um incômodo passageiro e passou a representar um risco real à saúde da população.

Entre os grupos mais vulneráveis, estão as mulheres gestantes e puérperas, já que o aumento da temperatura corporal, a desidratação e o estresse térmico afetam diretamente o bem-estar e o desenvolvimento da gestação. “O calor extremo agrava riscos conforme a vulnerabilidade da paciente e as condições do ambiente em que vive”, explica o médico Breno Noah, assessor técnico da Fundação Municipal de Saúde (FMS).

Assis Fernandes/O Dia
Breno Noah, médico.

Segundo o médico, os efeitos do calor na população, principalmente em grupos mais vulneráveis, vão muito além do desconforto. “A gente já tem comprovação científica de que, nos últimos 30 anos, a temperatura média em Teresina aumentou. E isso impacta a saúde de forma direta, da proliferação de mosquitos que transmitem dengue e chikungunya até o aumento de infecções urinárias em gestantes, problemas mentais e doenças cardiovasculares”, afirma.

O impacto, no entanto, não é o mesmo para todas as pessoas. A desigualdade social e a falta de acesso a serviços básicos e infraestrutura tornam o calor ainda mais cruel. “Quem tem carro com ar-condicionado, casa climatizada e consegue pagar uma conta de luz alta vai sofrer menos. Mas quem vive em casas sem ventilação, trabalha a céu aberto ou depende do transporte público são pessoas que estão expostas o tempo todo”, pontua Dr. Breno.

Esse desequilíbrio, segundo o médico, é chamado de pobreza energética. “Muita gente não tem condições de ligar o ar-condicionado, mesmo que tenha um, porque a conta de energia às vezes ultrapassa um salário mínimo. Então, o calor afeta mais, justamente, quem mais precisa de proteção, e isso inclui as gestantes atendidas pelo SUS”, completa.

Riscos durante a gestação

As altas temperaturas, de acordo com o especialista, podem agravar complicações típicas da gravidez, como inchaço, infecção urinária, desidratação e até parto prematuro. Estudos internacionais mostram que um aumento de apenas 1°C na semana anterior ao parto pode elevar em até 6% o risco de morte fetal.

Em Teresina, onde os termômetros frequentemente ultrapassam os 40°C e a sensação térmica é ainda mais alta, os riscos se multiplicam. “As gestantes apresentam mais risco de infecção urinária, que pode evoluir para sepses ou parto prematuro. Também há mais casos de candidíase, dor de cabeça e transtornos mentais. O calor intenso agrava a ansiedade, o cansaço e até o desmame precoce”, explica o médico.

Ele alerta ainda que o tema raramente é abordado por mulheres gestantes nas consultas pré-natal. “Pesquisas da Agenda 2030 mostraram que poucas gestantes relataram ter falado sobre o calor com um profissional de saúde. Existe uma naturalização perigosa, como se o calor fosse algo que não tem jeito. É preciso falar sobre isso, orientar e agir”, defende.

Assis Fernandes/ODIA
Calor extremo em Teresina desafia saúde materna e expõe desigualdades sociais

Estratégias de proteção e políticas públicas

Na prática, segundo o médico da Diretoria de Atenção Básica da FMS, o órgão tem buscado ampliar as orientações na atenção básica. “Estimular o consumo de água, o uso de sombrinhas no sol e roupas leves, além de pausas para resfriamento, são medidas simples, mas fundamentais. Muitas vezes, é preciso mostrar onde há locais próximos com ambiente mais fresco”, explica Breno Noah.

Além das ações individuais, ele reforça que o enfrentamento ao calor precisa ser coletivo e intersetorial. “Não adianta tratar o calor só como um problema da saúde. É também uma questão urbana, social e ambiental. Precisamos de mais arborização, planejamento urbano, resfriamento das áreas públicas e combate às queimadas. Tudo isso tem impacto direto na saúde da população”, afirma.

Teresina, segundo o especialista, já possui uma Comissão de Justiça Climática, vinculada à Agenda 2030 da Prefeitura, que reúne técnicos de diversas áreas. “Estamos organizando o segundo Fórum de Justiça Climática, em novembro, para discutir ações integradas, desde captação de recursos até projetos de arborização e proteção das populações mais vulneráveis, como as pessoas em situação de rua e as gestantes”, destaca.

Breno Noah frisa que “o ser humano não foi feito para viver em calor extremo”. Para o médico, é urgente mudar a mentalidade sobre o problema. “A gente se acostumou a achar que em Teresina é assim mesmo, que não tem jeito. Mas existem estratégias de resfriamento urbano e medidas de saúde que precisam ser aplicadas. Senão, corremos o risco de transformar a cidade em um ambiente inabitável”, reforça ele.

O médico reforça que o desafio de manter a saúde no calor é tanto clínico quanto social. “O calor extremo não afeta todo mundo da mesma forma, e é justamente por isso que as políticas públicas precisam ser voltadas para reduzir desigualdades. A equidade em saúde é entender que algumas pessoas precisam de mais proteção para ter as mesmas oportunidades de viver com saúde”, conclui. O sol segue implacável sobre Teresina, onde cada novo dia quente é um lembrete de que cuidar do clima é, também, cuidar da vida.


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