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Aniversário de Teresina: lembranças da cidade de praças e calçadas

Teresina, 1960. Em uma ensolarada tarde de domingo, o centro da capital era um cenário de diversão e alegria. Famílias levavam seus filhos e filhas para brincar nas praças, crianças aproveitavam o tempo livre para empinar papagaios (também conhecidos como pipas) nas ruas, idosos sentavam nas portas de suas casas para contar casos e dividir histórias. Se você teve a sorte de viver sua infância e juventude nessa Teresina, provavelmente foi feliz.

Hoje, a realidade teresinense se mostra bastante diferente, talvez não menos feliz, mas definitivamente com uma forma de felicidade que não conta com o livre contato humano da Teresina de antigamente. A capital deixou de ser uma cidade que cabia no centro para se transformar em região metropolitana, crescendo cada vez mais para todos os lados.

Mas as lembranças da Teresina de mais de meia década atrás continuam vivas na mente de quem a conheceu. O cheiro dos pés de Oiti, por exemplo, ainda está presente na memória de Tarcísio Vilarinho, engenheiro que cresceu com seus pais e sete irmãos na capital piauiense na década de 1960. Ele ainda lembra bem dos finais de semana em que vinha brincar com a família na Praça João Luís Ferreira, que, há cerca de 65 anos, tinha brinquedos como balanços e escorregadores que divertiam a criançada. Também se recorda da felicidade em ver hidro-aviões pousarem nas águas do Parnaíba, enquanto ele e a família assistiam do cais.

Jorge Machado/O DIA
Tarcísio Vilarinho, engenheiro que cresceu com seus pais e sete irmãos na capital piauiense na década de 1960.

Hoje, a capital piauiense cresceu, ganhou asfalto, novos bairros, novos shoppings, mas perdeu cadeiras nas calçadas, o passeio noturno sem medo, as famílias nas praças. Entre progresso e nostalgia, a Teresina de 2025 ainda carrega fragmentos daquela cidade de 1960, 1970, 1980 - nas sombras das árvores, no coreto da Praça Pedro II, nos postes e bancos preservados na Praça João Luís Ferreira.

Talvez, no futuro, alguém conte histórias da Teresina atual com a mesma saudade que Tarcísio, Eneas e Francisco mostram em suas memórias. A cidade de congestionamentos, prédios altos e redes sociais, que preserva o contato humano de uma maneira diferente da que era feita há 60 anos atrás. Os 173 anos de história de Teresina guardam diversas lembranças e vivências, porque, no fim, a cidade que lembramos é aquela do nosso tempo de viver.

Assis Fernandes/ODIA

Ele fala da antiga Teresina com a saudade e precisão de quem não só viveu, mas estudou o passado da cidade. “Esses pés de Oiti, por exemplo, foram plantados na década de 1940. Tudo que eu digo é baseado em jornais da época, que sempre gostei de consultar, principalmente quando frequentava o arquivo público. Mas lembro dos brinquedos, que existiam na década de 60, quando eu era criança, com cinco ou sete anos”, diz Tarcísio. Atualmente, ainda é possível ver algumas dessas sombras no centro, as poucas sobreviventes discretas em meio ao asfalto que tomou conta da maioria da cidade.

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Aniversário de Teresina lembranças da cidade de praças e calçadas

O engenheiro também se recorda da facilidade do contato humano que o tamanho da cidade proporcionava. A maior parte de Teresina se concentrava na região central, com poucos bairros bem habitados ao redor, o que fazia com que os moradores se reunissem nas praças do Centro mais facilmente e com maior frequência. “O pessoal morava aqui no Centro. Os outros bairros praticamente não existiam, então todo mundo vinha para cá. Todo mundo junto, socializando. Hoje em dia, a gente não vê isso, né?”, disse Tarcísio. O programa era simples: aproveitar os brinquedos, ver os amigos e voltar para casa a pé com a família, tudo isso sem medo da insegurança.

O engenheiro também se recorda da facilidade do contato humano que o tamanho da cidade proporcionava. A maior parte de Teresina se concentrava na região central, com poucos bairros bem habitados ao redor, o que fazia com que os moradores se reunissem nas praças do Centro mais facilmente e com maior frequência. “O pessoal morava aqui no Centro. Os outros bairros praticamente não existiam, então todo mundo vinha para cá. Todo mundo junto, socializando. Hoje em dia, a gente não vê isso, né?”, disse Tarcísio. O programa era simples: aproveitar os brinquedos, ver os amigos e voltar para casa a pé com a família, tudo isso sem medo da insegurança.

Arquivo/ O Dia
Praça João Luís Ferreira

A Teresina das décadas de 60 e 70 era também a cidade onde o calor não parecia ser tão forte e impiedoso. “A gente não tinha nem ventilador em casa. Meu pai comprou um quando eu já era rapaz, tinha 18 anos”, lembra ele. A temperatura da cidade foi aumentando à medida que as áreas verdes foram se distanciando, devido ao desmatamento, as ruas foram sendo pavimentadas e até mesmo os quintais passaram a ser cimentados.

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Aniversário de Teresina lembranças da cidade de praças e calçadas

Ao desenterrar memórias, Vilarinho sente falta da socialização de antes, da Teresina mais humana e unida. “Teresina perdeu aquele ar, talvez, de cidade do interior. Aquela coisa gostosa de você conversar na rua, na calçada, de você se deslocar numa boa, sair de casa caminhando para longe. Hoje, para você ir para qualquer lugar, tem que ser de carro, de moto, de ônibus”, diz o engenheiro. Tarcísio ressalta ainda que as amizades também mudaram. “Antes, valia mais quem você era. Hoje, vale o que você tem”.

A juventude teresinense dos anos 70

Se Tarcísio fala das árvores, ruas e relacionamento, o escritor Eneas Barros relembra a época de ouro das calçadas lotadas, da cultura valorizada e do cheiro de terra molhada - costume da época que impedia a poeira de se espalhar. O romancista viveu nas proximidades da Praça Pedro II, também no Centro de Teresina, em um período em que a área era culturalmente movimentada.

Reprodução
Eneas Barros relembra a época de ouro das calçadas lotadas

Eneas fala com nostalgia da sua época de juventude, na Teresina dos anos 1970, quando os jovens tinham seus pontos fixos de encontro. O Bar Gelati, que ficava localizado na Av. Frei Serafim, servia uma batida de limão inesquecível e um ‘frito de tripa’ que fazia sucesso e sempre reunia a turma. Os fins de tarde em frente ao Colégio das Irmãs, também na Frei, transformavam o local em um calçadão improvisado, onde era decidido o itinerário de festas da noite, repleta de ponche de vinho com frutas.

Arquivo O Dia
Praça Pedro II

Outro ritual relembrado com carinho pelo escritor era o dos encontros na Praça Pedro II. “Era um outro point que [Teresina] tinha. Uma curiosidade é que os homens caminhavam em uma direção e mulheres caminhavam na outra, então sempre se cruzavam”, conta Barros. Segundo o biógrafo, os jovens iam para as festas noturnas e se divertiam durante o dia sem pensar duas vezes sobre insegurança. A juventude e os destinos de reunião eram conhecidos entre si, muito diferente dos dias de hoje.

“A gente saía à noite para passear, ficava na rua, jogava bola e não tinha problema nenhum. Nessa época, ninguém se preocupava, tinha segurança e diversão. O ladrão de galinha era o maior perigo que tinha. Teresina tinha uma festa por vez e todo mundo ia. Hoje, entro em um restaurante e não conheço ninguém”, relembra Eneas.

Um dos espaços mais movimentados dos anos 80 e 90

O empresário Francisco das Chagas viveu a juventude teresinense de um outro período, nas décadas de 1980 e 1990, então conheceu uma outra face da cidade. Atual presidente da Associação do Clube dos 100, um dos locais mais badalados e movimentados da Teresina da época, o empresário conta que já viu o espaço receber até 12 mil pessoas em noites que misturavam música e muita diversão. “Era o ponto de encontro da sociedade, vinha gente da cidade toda”, diz.

Jorge Machado/ O DIA
Francisco das Chagas - presidente do Clube dos 100

Entre os anos 80 e 2010, as festas de Teresina tinham bandas de bairro, discotecas e reggae. Francisco também comandou a GD Danceteria, que funcionava nas proximidades do Balão da Tabuleta, zona Sul da capital. O local começou a funcionar no início dos anos 2000 e foi um marco para quem era jovem na época. “Era muito bom. A gente era feliz e não sabia”, diz o empresário. A casa de festas foi fechada em 2012, pouco tempo depois de Francisco passar a ser membro da Associação do Clube dos 100.

Jorge Machado/ O DIA
Clube dos 100

A pandemia de Covid-19, em 2020, interrompeu definitivamente as festas no Clube, que era um dos mais movimentados da zona Sul de Teresina, mas que foi perdendo seu público nos últimos quinze anos. O local, que faz parte da história cultural da capital, passou por uma reforma em 2019, com as esperanças de retomar o público que tinha antes. “Se tivéssemos tido apoio do poder público, talvez o Clube teria sobrevivido. Hoje, o espaço está parado, mas o povo não parou de procurar a cultura”, diz Francisco das Chagas.

Ao ouvir as memórias de teresinenses que foram jovens em diferentes épocas, podemos perceber que a Teresina de antigamente era uma cidade com menos prédios, menos asfalto, menos pressa. Era mais segura, previsível, fresca e humana. Uma capital em que todos sabiam onde e quando se encontrar.

Arquivo O Dia
Aniversário de Teresina: lembranças da cidade de praças e calçadas

Hoje, a capital piauiense cresceu, ganhou asfalto, novos bairros, novos shoppings, mas perdeu cadeiras nas calçadas, o passeio noturno sem medo, as famílias nas praças. Entre progresso e nostalgia, a Teresina de 2025 ainda carrega fragmentos daquela cidade de 1960, 1970, 1980 - nas sombras das árvores, no coreto da Praça Pedro II, nos postes e bancos preservados na Praça João Luís Ferreira.

Talvez, no futuro, alguém conte histórias da Teresina atual com a mesma saudade que Tarcísio, Eneas e Francisco mostram em suas memórias. A cidade de congestionamentos, prédios altos e redes sociais, que preserva o contato humano de uma maneira diferente da que era feita há 60 anos atrás. Os 173 anos de história de Teresina guardam diversas lembranças e vivências, porque, no fim, a cidade que lembramos é aquela do nosso tempo de viver.


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