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Sementes da Fartura: crianças aprendem sobre natureza e preservação na zona rural de Pedro II

Na zona rural de Pedro II, município localizado na zona Norte do Piauí, coração do semiárido piauiense, um grupo de crianças tem cultivado muito mais do que plantas. Em um local em que o verde resiste ao sol e o conhecimento sobre a natureza é passado de geração em geração, nascem sonhos, solidariedade e consciência ambiental. A Casa de Sementes da Fartura, no assentamento Pedra Branca, é o ponto de partida de uma história que mistura afeto, tradição e futuro.

As chamadas sementes crioulas, grãos nativos, preservados de geração em geração sem modificações genéticas ou industriais, são o alicerce desse movimento. Elas garantem autonomia alimentar, reduzem custos com fertilizantes e defensivos químicos e, principalmente, preservam a biodiversidade e a saúde daqueles que vivem do campo. “Essas sementes foram deixadas por Deus”, define o agricultor e educador popular José Maria Saraiva, fundador do Centro Regional de Assessoria e Capacitação (CERAC) e um dos principais defensores das sementes crioulas no Piauí.

Reprodução/Arquivo Pessoal
Sementes da Fartura: crianças aprendem sobre natureza e preservação na zona rural de Pedro II

As sementes, que resistem às extremas condições do semiárido, são também um símbolo de resistência humana. No assentamento, elas alimentam corpos e mentes, inspirando uma nova geração de guardiões mirins da biodiversidade, crianças que crescem aprendendo a cuidar da terra e a respeitar o ciclo da vida.

A agricultora Solange Chaves encontrou nas sementes um novo propósito de vida. A Casa de Sementes, batizada em homenagem ao irmão Lauro Chaves dos Santos, que faleceu em 2013, se tornou para ela um espaço de cura, lembrança e amor. “Eu vivia me martelando, pensando no que podia fazer para honrar o sonho dele de ver a comunidade crescendo. Quando a casa de sementes chegou, percebi que era minha vez de colocar tudo para fora e fazer algo pelas crianças”, conta emocionada.

Foi de um ato simples que nasceu o projeto com as crianças. Ao plantar mudas ornamentais em frente à Casa de Sementes, Solange pediu ajuda dos pequenos para limpar o terreno. Em pouco tempo, sete crianças se juntaram à tarefa, entre elas seus filhos Maria Clara e Zaqueu, além de Caíque, Kemile, Jéssica, Lucas, Elisiane e Aparecida.

Reprodução/Arquivo Pessoal
Sementes da Fartura: crianças aprendem sobre natureza e preservação na zona rural de Pedro II

O que começou como uma brincadeira virou uma ideia séria. As crianças questionaram se poderia ser formado um grupo e, a partir daí, surgiu o coletivo Crianças Ativas em Ação e, com ele, a escolinha de agroecologia, em que os pequenos aprendem na prática os princípios da vida sustentável.

Solange ministra as aulas de forma voluntária, assim como outros membros. “Alguns me perguntavam se ia dar aula sem ganhar nada. Eu dizia que ia ganhar o conhecimento dos meninos e, eles, um pouco do meu. É uma troca linda e, hoje, tenho apoio de todos os pais”, afirma, destacando a alegria de quem colhe o que semeou.

Guardiões mirins do semiárido

Entre os alunos, está Zaqueu Chaves, de apenas 10 anos, que herdou dos pais a paixão pela terra. Ele participa de todas as atividades da Casa de Sementes e mostra ter orgulho do que tem aprendido. “Eu acho a escolinha muito boa, porque a gente aprende a cuidar da natureza. Fiquei feliz quando a minha mãe disse que ia dar aula para a gente. Eu me sinto valoriza, porque a gente está sendo reconhecido por proteger a nossa agroecologia”, diz a criança.

A dinâmica das aulas é colaborativa, com os membros mais velhos ajudando os mais novos, reforçando o sistema de aprendizado coletivo. Elisiane de Oliveira, de 15 anos, foi a participante escolhida como diretora do grupo pelos próprios colegas. “Foi muito gratificante. Aprendi a importância das sementes, porque a gente não usa agrotóxicos que fazem mal à saúde. Quando eu crescer, quero continuar o legado da tia Solange e da nossa Casa de Sementes”, conta.

O irmão de Elisiane, Lucas, de 6 anos, é o guardião mirim mais novo. Cheio de entusiasmo, exibe com orgulho as sementes cultivadas na comunidade e passadas de geração em geração. Segundo ele, a escolinha permite que as crianças plantem e aprendam ao mesmo tempo, cultivando sementes variadas e “sem veneno”, como de jerimum, feijão, milho vermelho e gergelim.

A mãe dos dois, Natália de Oliveira, presidente da Associação do Assentamento Pedra Branca, acompanha tudo com emoção. “O trabalho da Solange é essencial. As crianças passaram a participar mias, a valorizar a história dos nossos antepassados. Quero que elas cresçam com esse amor pelas sementes, que são nossa herança e nosso futuro”, afirma.

Reprodução/Arquivo Pessoal
Sementes da Fartura: crianças aprendem sobre natureza e preservação na zona rural de Pedro II

No último mês de setembro, a Casa de Sementes da comunidade Lauro Chaves dos Santos sediou a 1ª Oficina de Troca de Saberes com os Guardiões e Guardiãs das Sementes da Fartura. O encontro reuniu gerações em um momento de aprendizagem e emoção. Crianças, jovens e adultos trocaram experiências sobre o cultivo, o cuidado e o valor simbólico das sementes crioulas.

Para José Maria Saraiva, o evento reafirma a importância da união entre o saber tradicional e o olhar das novas gerações. “Esses encontros fortalecem a vida no campo. Por meio das sementes crioulas, garantimos alimento, esperança e futuro”, destacou o agricultor.

A oficina foi resultado da parceria entre a comunidade e diversas instituições comprometidas com o desenvolvimento sustentável no semiárido, como o CERAC, Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), a Articulação Semiárido Brasileiro e o Centro de Formação Mandacaru.

Mais do que uma iniciativa agrícola, o projeto Sementes da Fartura é um movimento de preservação cultural, ambiental e até mesmo emocional. O projeto mostra que, quando o conhecimento floresce junto com a terra, as colheitas são mais ricas em alimento, sabedoria e esperança.

“Essas crianças são o nosso futuro. Aos poucos, vamos lapidando cada uma delas para que, quando nós não estivermos mais aqui, continuem a história das Sementes da Fatura e a espalhem por toda a existência”, finaliza Solange.


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