Em pleno ano da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), o Brasil caminha na contramão do debate global ao aprovar, na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei que representa um duro golpe na política ambiental do país. A proposta flexibiliza o licenciamento ambiental e enfraquece princípios já consolidados, como o da proibição do retrocesso ambiental. Um dos pontos mais críticos é a ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma modalidade baseada na autodeclaração do empreendedor mesmo para empreendimentos de médio impacto. A medida dispensa estudos prévios, condicionantes ambientais e fiscalização direta, permitindo, por exemplo, a regularização de obras já em funcionamento sem qualquer licença.
O projeto acaba violando o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado na jurisprudência brasileira, segundo o qual o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos. Também contraria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceram a inconstitucionalidade da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio impacto ambiental. A proposta se mostra omissa diante da crise climática, num momento em que as temperaturas aumentam todos os dias, principalmente em regiões periféricas do mundo, onde as catástrofes ambientais são cada vez mais recorrentes, como as registradas no sul do Piauí em 2025 e no Rio Grande do Sul em 2024.
O Projeto de Lei propõe a ampliação do uso da LAC, um modelo simplificado de licenciamento baseado na autodeclaração do empreendedor, inclusive para empreendimentos de médio porte e com potencial poluidor. A proposta dispensa a exigência de estudos de impacto ambiental e de condicionantes específicas, além de permitir o monitoramento por amostragem, o que reduziria significativamente a fiscalização direta dos órgãos ambientais. Entre os pontos mais preocupantes estão a autorização para aplicar a LAC em projetos de alto impacto, como duplicações de rodovias e dragagens, inclusive em áreas sensíveis e habitadas por populações vulneráveis, sem análise técnica prévia. O texto também possibilita a regularização de empreendimentos que operam sem licença ambiental, contrariando a posição do Ministério do Meio Ambiente, que defende a aplicação da LAC apenas a projetos de baixo impacto, mediante verificação técnica adequada.
O projeto de lei ainda permite que empreendedores contestem condicionantes ambientais relativas a impactos indiretos, exigindo a comprovação de nexo causal direto ou alegando falta de controle sobre ações de terceiros. Essa exigência pode enfraquecer a adoção de medidas preventivas e compensatórias, como demonstrado no caso da barragem de Fundão, em Mariana, onde a dificuldade em responsabilizar pelos impactos indiretos prejudicou a reparação dos danos causados.
Além disso, o texto propõe a dispensa de licenciamento ambiental para atividades como agricultura e pecuária quando inscritas no CAR ou no PRA, mesmo sem avaliação técnica dos impactos gerados. O Ministério do Meio Ambiente alerta que esses instrumentos não consideram problemas como o uso intensivo de recursos hídricos, a contaminação do solo e a pressão sobre áreas protegidas, o que pode levar à legalização de práticas nocivas ao meio ambiente sem qualquer controle efetivo.
Outro ponto do projeto elimina a exigência de inclusão das Áreas de Influência Indireta (AII) nos estudos de impacto ambiental, comprometendo a avaliação de efeitos cumulativos como desmatamento, pressões sobre comunidades indígenas, contaminação hídrica e grilagem de terras decorrentes de grandes obras, como hidrelétricas, rodovias e portos.
O projeto facilita o desmatamento, que já vem avançando de forma agressiva na região do Matopiba, da qual o Piauí faz parte. Neste ano, o desmatamento aumentou em quatro municípios piauienses: Canto do Buriti, Jerumenha, Currais e Sebastião Leal, segundo o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, divulgado pela rede MapBiomas. O estado está entre os cinco que mais desmataram em 2024. A região do Matopiba concentra 75% do desmatamento do Cerrado e cerca de 42% da perda total de vegetação nativa no país.
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Essa é a preocupação da ambientalista Tânia Martins, coordenadora da Rede Ambiental do Piauí, que afirma que o maior risco é o enfraquecimento das regras de proteção ambiental, fortalecendo o desmatamento em todo o Brasil, especialmente no Piauí, onde esse processo já está em crescimento. “O desmatamento, a gente já deveria ter parado há muito tempo nesse país. Esse país, para crescer, não precisaria mais abrir nenhum hectare de terra. A gente já tem áreas demais desmatadas. Agora vai ser uma degradação que não se sustenta. A gente vai perder a biodiversidade completamente, vai gerar uma insegurança jurídica muito grande nesse país.”
De acordo com a ambientalista, o projeto de lei vai deixar um campo de incertezas quanto ao futuro das próximas gerações e do planeta, criando o que ela chama de um “estado de terra arrasada”, e afirma que o poder legislativo não tem o direito de interferir no futuro dos descendentes. “Isso vai causar uma degradação ambiental jamais vista. Existem biomas que são altamente sensíveis. A própria Amazônia é um bioma muito sensível. Se ela perde o solo, perde a biodiversidade, vai secar completamente. E o que eles querem? Eles querem abrir mais espaço na Amazônia para usar, para degradar com gado, plantar monoculturas. E com isso a gente pode perder os ecossistemas supersensíveis que existem na Amazônia.”
Tânia também cita desastres ambientais causados pela ação humana, como os casos de Brumadinho e Mariana, em que muitas vidas foram perdidas após o rompimento de barragens de minério. “Isso acontece porque os empresários só pensam no lucro. Eles não estão nem aí para essa questão de controle do uso dos recursos naturais, o que pode gerar, principalmente, conflitos nas comunidades tradicionais. E eles passam por cima. Aqui no Piauí isso já tem acontecido muito. O povo do Cerrado vive em terror o tempo todo, sendo ameaçado pelos grileiros, por essas grandes empresas que chegam, invadem, compram licença ambiental, compram os cartórios com documentos falsos. Isso vai aumentar consideravelmente.”
De acordo com Tânia, essas situações causam insegurança jurídica porque flexibilizam as regras e geram diversas incertezas, já que investidores chegam com muitos recursos e arrendam grandes extensões de terra no interior do estado, um processo que tem ocorrido de norte a sul do Piauí.
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