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Pior dor do mundo: neuralgia do trigêmeo causa sensação de choques e facadas na cabeça

Nos últimos dias, um tema voltou a ser destaque nas redes sociais: a neuralgia do trigêmeo. Uma síndrome sem cura, associada à disfunção ou lesão do nervo trigêmeo e que causa dores intensas na face, semelhantes a choques elétricos ou intensas pontadas. A influenciadora brasileira Carolina Arruda (27) possui a doença e é conhecida por compartilhar sua rotina na internet. Devido às dores incessantes, recentemente ela abriu uma vaquinha online para arrecadar dinheiro para realizar eutanásia na Suíça, já que no Brasil essa prática é considerada crime.

Arquivo pessoal
Carolina Arruda foi diagnosticada com neuralgia do trigêmeo

A incidência de novos casos é de aproximadamente 4,5 por 100 mil pessoas por ano; sendo que o distúrbio é mais comum em mulheres do que em homens. Uma delas é a fotógrafa Marcele Siqueira, que convive há 12 anos com a neuralgia de trigêmeo. Em meio às dores, ela e outros pacientes acometidos com a doença ainda precisam enfrentar a falta de empatia e a desinformação dos profissionais de saúde.

É como se você estivesse recebendo facadas no rosto ou arrancando todos os seus dentes sem anestesia.

Marcele SiqueiraFotógrafa

“Inicialmente, parecia uma dor de dente muito insuportável, seguida de um choque na cabeça, na região do ouvido, que eu não conseguia movimentar o pescoço e o rosto. Nenhum medicamento passava a dor e, por mais que eu dissesse que era uma dor inexplicável, os médicos da minha cidade, em São Francisco do Maranhão, não entendiam, só quando eu disse que sentia choque é que eles perceberam que era uma situação mais delicada”, conta.

Marcele Siqueira descreve os sintomas da doença. Segundo ela, mesmo tomando medicação, as dores não cessam, exigindo que os pacientes recorram a drogas mais fortes. “A crise não dá sinais que está chegando e, quando vem com uma intensidade muito forte, eu preciso recorrer à morfina, que é alívio paliativo para aquela dor. Os medicamentos são de uso contínuo, à base de calmante”, destaca.

A fotógrafa explica que, embora diagnosticada, muitas vezes a neuralgia não aparece em exames, fazendo com que haja um julgamento da sociedade. Muitas pessoas não entendem a intensidade das dores que os pacientes sentem e, por isso, acabam ficando retraídos. Além disso, a neuralgia do trigêmeo interfere diretamente na vida das pessoas acometidas com a doença.

Nathalia Amaral/O Dia
Neuralgia do trigêmeo causa sensação de choques e facadas na cabeça

“O portador de neuralgia tem que aprender a conviver com o descaso e falta de empatia das pessoas, que não acreditam que você esteja com aquela doença. Quando a gente está em crise, tendemos a ficar fechados e acabamos não rindo, ou falando, e as pessoas julgam. Eu lecionava e precisei sair da sala aula, já que falar mexe com toda a estrutura interna da boca, da garganta, do ouvido e da face”, reforça.

A dor crônica não é fatal, mas afeta diretamente a qualidade de vida dos pacientes, levando, inclusive, ao quadro de depressão. Diante da dor descomunal, muitos pacientes chegam a tirar a própria vida por não conseguir lidar com os episódios de dor. “Nos Estados Unidos, a neuralgia é conhecida como a doença do suicídio ou como a pior dor do mundo. Meu médico disse que essa é uma doença comum em idosos, mas que em mim chegou de modo precoce, talvez por conta dos níveis de estresse e ansiedade, mas não se sabe a causa ao certo”, conclui a fotógrafa Marcele Siqueira.

O que é a neuralgia do trigêmeo?

O nervo trigêmeo, um dos 12 pares de nervos cranianos, conecta-se diretamente ao cérebro ou tronco cerebral. Dividido em três ramos, transmite sensações da parte superior, média e inferior da face, além da cavidade oral. Essencial na sensibilidade da cabeça, face, boca e língua, é conhecido como quinto nervo craniano (V). Este nervo misto desempenha funções sensoriais e motoras importantes.

Existem três divisões do nervo trigêmeo:

- Divisão oftálmica ou primeira divisão (V1)

- Divisão maxilar ou segunda divisão (V2)

- Divisão mandibular ou terceira divisão (V3)

A dor da neuralgia do trigêmeo geralmente afeta a região maxilar ou mandibular da face, envolvendo as 2ª e 3ª divisões do nervo, com predomínio no lado direito. O distúrbio pode afetar múltiplos ramos nervosos. A neuralgia trigeminal bilateral é rara, sugerindo possíveis doenças neurológicas ou distúrbios cranianos não neurológicos. Mais comum em mulheres, a incidência da neuralgia do trigêmeo aumenta com a idade, sendo significativamente prevalente após os 60 anos.

Por ser uma dor localizada na região maxilar ou mandibular da face, muitos pacientes associam a dor a algum problema nos dentes e, por isso, acabam buscando um dentista para fazer o tratamento, por achar se tratar de um problema odontológico. O profissional, na maioria das vezes, é o responsável por diagnosticar a condição. É o que explica o cirurgião-dentista e doutor em cirurgia bucomaxilofacial, Éwerton Daniel.

“É importante que o dentista faça testes adicionais, solicite exames complementares de imagem, para avaliar se, de fato, essa dor não tem relação com algum dente ou alteração bucal. Mas, geralmente, pelas características da dor que o paciente relata, a gente já começa a desconfiar da neuralgia. Quando o diagnostico não é feito da maneira adequada, o paciente acaba sendo orientado a retirar alguns dentes, achando que o foco é o dente, quando na realidade é um problema associado a um nervo”, explica.

O neurocirurgião e neurorradiologista intervencionista, Romilto Pacheco, explica como a dor do nervo trigêmeo pode se diferenciar da dor de dente comum. Segundo ele, a dor da neuralgia do trigêmeo é geralmente descrita como choques elétricos ou facadas, sendo extremamente intensa. Em contraste, a dor de dente comum tende a ser constante e latejante.

A localização da dor também pode ser um indicativo. Na neuralgia do trigêmeo, a dor pode afetar várias partes do rosto, como mandíbula, bochechas, olhos e testa, e pode mudar de lugar. Já a dor de dente é geralmente localizada em um dente específico ou na área ao redor dele.

“Os desencadeantes da dor são outro fator importante. Na neuralgia do trigêmeo, atividades simples, como escovar os dentes, mastigar ou até mesmo sentir uma brisa no rosto, podem desencadear a dor. Por outro lado, a dor de dente é frequentemente desencadeada por mastigação ou ingestão de alimentos e bebidas quentes ou frias”, explica o neurocirurgião.

A duração dos episódios de dor também difere. A neuralgia do trigêmeo ocorre em episódios curtos, que podem durar de alguns segundos a alguns minutos, mas podem se repetir várias vezes ao dia. Em contraste, a dor de dente tende a ser mais constante e pode durar horas ou dias até ser tratada. De acordo com o neurocirurgião Romilto Pacheco, a resposta a analgésicos também pode ajudar na diferenciação. Analgésicos comuns (dipirona ou paracetamol) geralmente não aliviam a dor da neuralgia do trigêmeo de forma eficaz, enquanto podem proporcionar algum alívio temporário para a dor de dente.

“Devido à semelhança em alguns sintomas e à complexidade da dor facial, pode ser difícil para os pacientes diferenciarem entre a neuralgia do trigêmeo e uma dor de dente comum. Portanto, é crucial procurar um especialista, como um neurocirurgião ou um dentista, para um diagnóstico correto. Um diagnóstico preciso é essencial para iniciar o tratamento adequado e aliviar a dor de forma eficaz”, destaca.

Tratamento

O tratamento para a neuralgia do trigêmeo envolve três linhas: uso de medicamentos; procedimentos minimamente invasivos, como a compressão por balão; e em casos mais graves, a cirurgia.

Arquivo pessoal
Neurocirurgião realizando cirurgia para descompressão microvascular do trigêmeo.

“Existem diversos tratamentos para a neuralgia do trigêmeo, e muitos pacientes encontram alívio significativo com a terapia adequada. Costumamos falar em controle, não em 'cura', assim como acontece com a pressão alta ou o diabetes. Enquanto muitos pacientes experimentam alívio significativo e até períodos prolongados sem dor, a condição pode ser crônica e recorrente. O objetivo do tratamento é gerenciar a dor e melhorar a qualidade de vida”, afirma o neurocirurgião Romilto Pacheco.

Os medicamentos são a primeira linha de tratamento e funcionam em 80% dos casos de neuralgia do trigêmeo. Os mais indicados, nesses casos, são os anticonvulsionantes, que atuam diretamente para amortecer a intensidade dos choques elétricos do nervo responsável pela dor lancinante característica da doença. Em alguns casos, os sintomas diminuem com o tempo com o uso de medicação, mas em outros a condição pode se tornar resistente ao tratamento medicamentoso, levando à busca por intervenções cirúrgicas.

“Se os medicamentos não forem eficazes ou causarem efeitos colaterais indesejados, procedimentos minimamente invasivos podem ser considerados. Entre eles está a compressão por Balão, em que um pequeno balão é inflado no nervo para 'amortecer' a dor. Não precisa abrir a cabeça. Basta realizar uma punção com agulha em paciente sob anestesia geral”, explica.

Quando a medicação não é suficiente ou causa efeitos colaterais intoleráveis, como distúrbios cognitivos ou fadiga, o tratamento cirúrgico pode ser necessário. Em casos mais graves, a descompressão microvascular do trigêmeo é um procedimento onde um neurocirurgião reposiciona ou remove vasos sanguíneos que estão pressionando o nervo trigêmeo.

Pense na cirurgia como 'desembaraçar' um fio elétrico para que ele funcione corretamente sem causar curtos-circuitos

Romilto PachecoNeurocirurgião

Um dos pacientes operados pelo neurocirurgião, o agricultor Antônio Pereira de Oliveira, de 56 anos, fez a cirurgia em outubro de 2023, e relata que teve uma nova vida após o procedimento. A dor provocada pela neuralgia do trigêmeo chegava a ser incapacitante, pois impedia que o paciente trabalhasse e realizasse outras atividades simples do cotidiano, como comer. Após a cirurgia, feita gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a sensação foi de ter “nascido de novo”.

Arquivo pessoal
Antônio Pereira de Oliveira voltou a viver depois da cirurgia

“Eu tomava remédio e a dor não parava. Quase sete anos de dor, não comia nada, todo tipo de comida doía. Eu comia sem mastigar, bebendo água, com medo da dor. Melhorei 90% depois da cirurgia, a minha mulher mexe na roça, e já consigo ir para lá e ajudar. Dez dias depois da cirurgia, já senti um alívio muito grande e, se eu tivesse condição, fazia festa todo dia. Eu nasci naquele momento da cirurgia”, relatou o paciente em vídeo compartilhado nas redes sociais do neurocirurgião.


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